31.7.07

Mais um dos nossos colaboradores "ultra-mega-master-sensacional". Aristides Tonello Jr., direto de São Paulo, desabafa. Toda a sua vida (a sua leitor!) pode mudar depois deste texto. Ainda mais se você for jornalista...



COMIDA

Por Aristides Tonello Jr.

Comi somente um prato de feijão com arroz, estava gostoso, normal, sobressaiu o gostinho de vitória. Vitória particular, contra a imposição que me cerca. Que tal o café, cigarro? Continuando, minha mãe tinha um livro de receitas, tipo, ‘1001 maneiras de se preparar uma carne’, hoje o mesmo livro deve se chamar ‘1001 maneiras de se nomear o mesmo maldito pedaço de carne’. Não sei se você assina o mesmo jornal, o mesmo pacote na televisão paga, me esquecia das revistas semanais. Se antes ditavam o que vestir; falar; ouvir e ler; agora estamos sendo influenciados no que comemos. Não falo aqui sobre normas de saúde, mas sim num movimento que é o da gastronomia soft, alta, requintada ou requentada.

Tenho me sentido sufocado com tantos gourmet’s, eles participam diariamente do cotidiano de quem tenta ler ou assistir qualquer coisa fora dos canais de filmes. Em determinado horário eu tenho que tentar não parecer um animal e saber combinar uma adega de vinhos com queijos, frutas, assados, peixes, remédios... Depois eu tenho que aumentar minha verborragia; com a chegada da atualizada lista de queijos suíços e franceses, acrescentarei mais uns 24 ou 25 nomes, imprescindível. Quando o apresentador diz que o prato do dia, um bacalhau a la Visco com batatas sufflége está equilibrado, já imaginava um anão com esta comida num prato atravessando uma corda a mais de 15 metros de altura. Mas agora perdeu a graça, já não penso no anão, mas sim na qualidade da manteiga usada para deixar as batatas airadas, o azeite que complementa e ‘equilibra’ o prato...

Estão conseguindo identificar o que tento desenhar aqui?

Sei que temos um ogro verde em voga, mas não é esta a minha idéia, não quero ser um desequilibrado emocional a ponto de cuspir no prato de ossobuco de vitela que comi. Pelo contrário, só estou reivindicando o espaço dado a estes infames destruidores de dietas, não bastavam às horas e páginas de publicidade que temos que engolir. Onde estão as reportagens, crônicas e todo texto capaz de nos abrir a boca do cérebro com aquela fome de informação, aquela fome de cultura; aonde ? Será que andaram comendo até mesmo o espaço de jornalistas, nossos “gourmet’s” capazes de equilibrar uma notícia séria, com pitadas de sarcasmo e bom-humor? Posso muito bem indicar o local onde encontrar nossos cronistas, e não será em nenhum destes restaurantes citados nos ‘ 10 mais da city’...

Não vou cair no lugar comum e dizer que os jornalistas estão todos em bares, botecos carcomidos espreitando notícias e copos. Na realidade hoje os jornalistas se amontoam em filas de emprego, os que já têm emprego se amontoam no Google e Wikipedia até cair o provedor.

Negócio é que ando saturado desta falta de assunto e o abuso do mais do mesmo, dá-me um tempo vai. Assim vocês me fazem sentir falta da modorrenta campanha dos fast foods, ou retroceder até aonde cantarolávamos que bebida é água e comida é pasto; você tem fome do quê?

Baseado neste pequeno desabafo, imaginem a cena: um chefe de cozinha, de um badalado restaurante, escreve uma carta para o gerente de uma fábrica de facas. Ele inicia a carta enaltecendo as facas, que são as melhores com as quais ele já trabalhou, afiadas, no equilíbrio exato para o manejo. Com elas ele faz lâminas de batata, desossa um coelho, enfim ele exemplifica como a praticidade do equipamento é incrível. Tão incrível que é com elas que ele se torna um serial killer, especializado em esquartejar, desossar e picar suas vítimas. E estas, como ele bem explica na carta, são chefes de cozinha fracassados, ou jornalistas metidos a gourmet’s que se utilizam dos espaços em jornais, revistas e tevês para questionar a qualidade deste ou daquele restaurante.

Esta carta existe, e foi escrita pelo incrível Chuck Palahniuk, autor do conhecido livro ‘Clube da Luta’, transformado pelo também genial David Fincher em um sucesso dos cinemas. Voltando, a carta que Chuck teria escrito está em seu novo livro de contos Assombro, li na última Playboy a íntegra deste texto. Aproveitei e comprei o seu livro Diário, acredito que seja sua penúltima obra lançada no Brasil, já iniciei a leitura e estou gostando...quem sabe em breve eu divulgue algum comentário por aqui mesmo.

Fazia algum tempo me queixava que estava com fome de algo novo na literatura, e agora estou degustando este texto provocante e enigmático. Chuck é jornalista, mas sua criatividade e um mercado organizado lhe permitem viver como escritor. Porra, quantas lembranças me traz o cantarolar: você tem fome de quê?; você tem sede de quê?

A inveja que sinto ao saber que existe vida para jornalistas fora do nosso país. Onde um livro muda a vida de um mecânico(Chuck era mecânico). Acredito que no meu caso, saber do que realmente tenho fome seja um exercício. Infelizmente ao meu redor a maioria dos colegas continuam a passar fome, vendo seus espaços serem ocupados por imagens de iguarias que nos permitem apenas salivar.

5 comentários:

Roberta Scheibe disse...

Cada vez mais tenho a mesma opinião. Como diria um amigo nosso "a coisa é feia e vem se debruçando"...

Obrigada pelo texto Tonello!

Anônimo disse...

Precisamos ter fome de Evolução, mas não nos fartemos demais, porque precisamos de sobremesa de Cultura, e para acompanhar, um bom Créativité tinto de mesa.

Estudantes de jornalismo, por favor não ouçam Bruno e Marrone, nem Armandinho.

Anônimo disse...

Muito bom o texto!
Tbm...Idem ao comentário do Pedro!!!
...e Robes a coisa é feia e vem se debruçando...mas tu sabe né! mais vale 5 voando do que um perdido na mão!!!!

Fabi Beltrami

Leandro Malósi Dóro disse...

Penso diferente sobre Bruno e Marrone e Armandinho. Creio queo jornalista deve ouvir essas manifestaçoes populares, mas fazer um paralelo sociológico e histórico. Saber que os primeiriros fazem mode de viola, diretamente da vertente popular do século XVIII, e que Armandinho se alia ao Lundu, do mesmo período, e quais grupos historicamente esses ritmos influenciam, creio que deva ser um dos motes a serem analisados, além do discurso formulado nas poesias: se contêm ideário católico, profano - incitam a culpa ou o prazer - ou contêm versos repletos de lugar comum ou há alguma novidade. Ser jornalista é conhecer o máximo possível. O tango já foi xulo. Hoje, é da elite. A diferença entre o bom-gosto ou o mau-gosto as vezes é determinado somente pela língua em que os versos são proferidos.

Anônimo disse...

Concordo com o Dóro, e dircordo em seguida, pela liberdade apenas. O estudante de jornalismo deve ouvir as vertentes, saber de onde veio tudo isso que aí está, mas saber que fodeu tudo depois que o dinheiro começou a mandar de vez e depois que o Zezé Di Camargo usou calças de couro. E o Armandinho deve morrer porque estragou a música do Caetano. São só opiniões pessoais. Acho que o mote deve ser a descapitalização da música e a cultura, porque os alunos de jornalismo que eu conheço ignoram as vertentes do século XVIII, curtem o rock (perdão Led!) da NX Zero (é assim?) e defendem com unhas e dentes o fervor artistico da Ivete Sangalo.