Mais um dos nossos colaboradores "ultra-mega-master-sensacional". Aristides Tonello Jr., direto de São Paulo, desabafa. Toda a sua vida (a sua leitor!) pode mudar depois deste texto. Ainda mais se você for jornalista...
COMIDA
Comi somente um prato de feijão com arroz, estava gostoso, normal, sobressaiu o gostinho de vitória. Vitória particular, contra a imposição que me cerca. Que tal o café, cigarro? Continuando, minha mãe tinha um livro de receitas, tipo, ‘1001 maneiras de se preparar uma carne’, hoje o mesmo livro deve se chamar ‘1001 maneiras de se nomear o mesmo maldito pedaço de carne’. Não sei se você assina o mesmo jornal, o mesmo pacote na televisão paga, me esquecia das revistas semanais. Se antes ditavam o que vestir; falar; ouvir e ler; agora estamos sendo influenciados no que comemos. Não falo aqui sobre normas de saúde, mas sim num movimento que é o da gastronomia soft, alta, requintada ou requentada.
Tenho me sentido sufocado com tantos gourmet’s, eles participam diariamente do cotidiano de quem tenta ler ou assistir qualquer coisa fora dos canais de filmes. Em determinado horário eu tenho que tentar não parecer um animal e saber combinar uma adega de vinhos com queijos, frutas, assados, peixes, remédios... Depois eu tenho que aumentar minha verborragia; com a chegada da atualizada lista de queijos suíços e franceses, acrescentarei mais uns 24 ou 25 nomes, imprescindível. Quando o apresentador diz que o prato do dia, um bacalhau a la Visco com batatas sufflége está equilibrado, já imaginava um anão com esta comida num prato atravessando uma corda a mais de
Estão conseguindo identificar o que tento desenhar aqui?
Sei que temos um ogro verde em voga, mas não é esta a minha idéia, não quero ser um desequilibrado emocional a ponto de cuspir no prato de ossobuco de vitela que comi. Pelo contrário, só estou reivindicando o espaço dado a estes infames destruidores de dietas, não bastavam às horas e páginas de publicidade que temos que engolir. Onde estão as reportagens, crônicas e todo texto capaz de nos abrir a boca do cérebro com aquela fome de informação, aquela fome de cultura; aonde ? Será que andaram comendo até mesmo o espaço de jornalistas, nossos “gourmet’s” capazes de equilibrar uma notícia séria, com pitadas de sarcasmo e bom-humor? Posso muito bem indicar o local onde encontrar nossos cronistas, e não será em nenhum destes restaurantes citados nos ‘ 10 mais da city’...
Não vou cair no lugar comum e dizer que os jornalistas estão todos em bares, botecos carcomidos espreitando notícias e copos. Na realidade hoje os jornalistas se amontoam em filas de emprego, os que já têm emprego se amontoam no Google e Wikipedia até cair o provedor.
Negócio é que ando saturado desta falta de assunto e o abuso do mais do mesmo, dá-me um tempo vai. Assim vocês me fazem sentir falta da modorrenta campanha dos fast foods, ou retroceder até aonde cantarolávamos que bebida é água e comida é pasto; você tem fome do quê?
Baseado neste pequeno desabafo, imaginem a cena: um chefe de cozinha, de um badalado restaurante, escreve uma carta para o gerente de uma fábrica de facas. Ele inicia a carta enaltecendo as facas, que são as melhores com as quais ele já trabalhou, afiadas, no equilíbrio exato para o manejo. Com elas ele faz lâminas de batata, desossa um coelho, enfim ele exemplifica como a praticidade do equipamento é incrível. Tão incrível que é com elas que ele se torna um serial killer, especializado em esquartejar, desossar e picar suas vítimas. E estas, como ele bem explica na carta, são chefes de cozinha fracassados, ou jornalistas metidos a gourmet’s que se utilizam dos espaços em jornais, revistas e tevês para questionar a qualidade deste ou daquele restaurante.
Esta carta existe, e foi escrita pelo incrível Chuck Palahniuk, autor do conhecido livro ‘Clube da Luta’, transformado pelo também genial David Fincher em um sucesso dos cinemas. Voltando, a carta que Chuck teria escrito está em seu novo livro de contos Assombro, li na última Playboy a íntegra deste texto. Aproveitei e comprei o seu livro Diário, acredito que seja sua penúltima obra lançada no Brasil, já iniciei a leitura e estou gostando...quem sabe em breve eu divulgue algum comentário por aqui mesmo.
Fazia algum tempo me queixava que estava com fome de algo novo na literatura, e agora estou degustando este texto provocante e enigmático. Chuck é jornalista, mas sua criatividade e um mercado organizado lhe permitem viver como escritor. Porra, quantas lembranças me traz o cantarolar: você tem fome de quê?; você tem sede de quê?
A inveja que sinto ao saber que existe vida para jornalistas fora do nosso país. Onde um livro muda a vida de um mecânico(Chuck era mecânico). Acredito que no meu caso, saber do que realmente tenho fome seja um exercício. Infelizmente ao meu redor a maioria dos colegas continuam a passar fome, vendo seus espaços serem ocupados por imagens de iguarias que nos permitem apenas salivar.