30.5.07

Na fronteira!

Escritor Sérgio Capparelli fala da linguagem da crônica

Sérgio Capparelli divide-se entre o jornalismo e a literatura. É vítima dos prazeres e incoerências praticadas por ambos os gêneros. Nesta entrevista concedida na VI Semana Acadêmica da Faculdade de Artes e Comunicação, na sala dos professores, em meio a um café e outro, Capparelli, escritor e jornalista, doutor em comunicação, autor de vários livros da relação do leitor com a internet, falou em uma hora sobre o lado híbrido entre literatura e jornalismo e também do papel da crônica como fronteira entre os gêneros. Vale lembrar que Sérgio Capparelli foi e é um grande repórter. Uma de suas reportagens memoráveis foi quando ele se internou no São Pedro de Porto Alegre para apurar informações sobre o modo em que os pacientes eram tratados. Depois da reportagem foi comemorar os prêmios recebidos lá no Sítio do meu grande amigo João Carlos Tiburski, o mestre Tiba. Com a palavra, o fronteiriço Capparelli.


P- Nos atuais jornais da grande mídia, existe um diálogo entre jornalismo e literatura? Afinal, elas são amigas ou amantes? E até que ponto, no jornalismo, a literatura se bitola à crônica?

R - Eu acredito que a literatura aparece na crônica. Mas a crônica é um gênero inicialmente jornalístico e que passa a ser literário, em termos de aceitação e legitimação. E em alguns cadernos culturais a literatura usa o jornal apenas como suporte. Então o jornal não é propriamente jornalístico, porque se há um conto, ou uma poesia, não significa que seria um gênero jornalístico, mas um gênero literário que se utiliza do caderno como suporte. A literatura também pode aparecer nas narrativas jornalísticas; é o caso das reportagens.

Nos anos 60 e 70 havia a revista Realidade. Não se pode dizer que a revista tinha o propósito deliberado de aproximar literatura com jornalismo, mas no momento em que eles contrataram João Antônio para ser repórter - e na verdade ele era um contista, vindo da literatura no sentido legítimo e tradicional-, é lógico que João Antônio não vai fazer uma assepsia e passar a escrever burocraticamente, como às vezes se pede a um jornalista que está saindo da universidade. João Antônio trouxe toda a técnica literária de construção de personagens, ponto de vista e discurso indireto livre. Estas questões batem contra lead e pirâmide invertida. No caso da revista Realidade havia a intenção subjacente, até porque ela aparece numa época em que nos EUA está se vivendo o chamado New Journalism, que não é tão novo, porque desde o início do século houve grandes escritores trabalhando no também “novo jornalismo”. A palavra ‘novo’ é um tanto aleatória e imprecisa, em que certos jornalistas, com pretensão a escritores e romancistas, empregaram técnicas literárias estilisticamente dentro do jornalismo e da grande reportagem. No Brasil, nesta época, em 60, 70, o Jornal da Tarde, em São Paulo e O’Pasquim, no Rio de Janeiro, revolucionam a linguagem do texto, em termos do coloquialismo. O outro extremo seria o Estado de São Paulo ainda com a linguagem encasacada. Na narrativa há uma aproximação com o jornalismo.

Não existe algo que seja a essência da literatura, buscada aqui ou lá. Falo a partir de uma polissemia no termo literatura. Ela também passa por uma legitimação do leitor e da sociedade. Não existe um essencialismo. Se estabelece um diálogo em que a literatura e o livro só existem na mediada que existe o leitor. E estes leitores e outras instituições, como a universidade, é que legitimam a leitura. Certos livros que não eram considerados literatura passam posteriormente a serem considerados. Um livro escrito enquanto história pode ser considerado jornalismo e literatura. “Declínio na Queda do Império Romano”, é um livro que originalmente é da história e passa a fazer parte do acervo literário. “Os Sertões” de Euclides da Cunha, escrito no início do século XX, primeiramente é um livro jornalístico e que passa a fazer parte da literatura.

Mas a maior mudança é a partir dos anos 60, quando o romance e a ficção estão em crise, que os escritores Truman Capote, Norman Mailer e Tom Wolfe se propõem a fazer um outro tipo de reportagem e narrativa jornalística. Alguns autores vão dizer que há uma transformação e fragmentação e que a literatura não vem apenas da fantasia. Ela vem também da realidade. E vão dizer, quase que na definição de “Drama” - buscando muito antes em Aristóteles-, que existe a literatura de ficção ou imaginativa (que são os fatos que poderiam ter acontecido e os fatos que aconteceram, onde existe uma literatura contadora de fatos) e a literatura empírica (aquela que busca os fatos, narrando-os com o acervo de técnicas próprias da literatura). Estas grandes reportagens aparecem em revistas ou grandes jornais nos suplementos de final de semana, e através dos livros reportagem. “Araceli meu amor” do José Louzeiro é uma reportagem construída em forma de livro. E esta realidade é um pouco ficçionada. Truman Capote escreve “A sangue frio”. É uma notícia, um fato que aconteceu, que ele reconstrói os fatos em termos literários.

P- Quais os limites entre ficção e realidade?

R- O jornalista vivia dentro do mito da objetividade, contando os fatos que aconteceram. Depois apareceu a semiótica e as análises de discursos e se pode dizer que os fatos são reconstruídos segundo a sensibilidade do jornalista. O fato é apenas uma das construções ou reconstruções dos fatos entre muitos outros. Isto torna mais permeável e indistinto os limites entre realidade e ficção e o conceito de literatura e jornalismo se torna híbrido.

A partir dos anos 60 e 70 o impulso que havia para o livro-reportagem e a narrativa jornalística enquanto literatura perde o fôlego, talvez pela própria transformação do Brasil, em que a tendência maior do jornalismo se torna o jornalismo investigativo.

Não é a corrente dominante esta aproximação entre literatura e jornalismo, mas aparece em alguns jornais; outros não aceitam. Um jornal como o Estado de São Paulo dificilmente vai permitir um tratamento mais literário. No entanto o Jornal Tarde, do grupo Estado, permite um texto criativo, com técnicas literárias usadas na construção da reportagem.

P- Quem são os novos jornalistas que na sua opinião conseguem aliar jornalismo e literatura?

R- Na verdade esta geração praticamente terminou. José Louzeiro morreu, Valério Maine eu não sei, Marcos Fermann morreu e João Antônio morreu. Esta época de ouro que atingiu um certo apogeu, não existe mais. Se formos pegar um livro atual como o do Caco Barcellos, por exemplo, ele pode ser de literatura, no sentido de literatura empírica. Mas já é também muito jornalismo investigativo bem escrito.

P- Como você vê a qualidade dos cadernos culturais?

R- É outro aspecto da evolução do jornalismo. O Nelson Werneck Sodré coloca 1930, outras pessoas colocam um pouco mais adiante a modificação e transformação do Jornal do Brasil em 1953, 1954. Até então o jornal era político partidário. Na verdade ele era suporte da literatura. A gente estava falando da crônica, mas há um outro gênero que vem da literatura e que utiliza o jornal como suporte, e que adota aspectos da linguagem do jornal enquanto edição, que é o folhetim. Há uma tradição desta aproximação muito grande. Tentaram ressuscitar o folhetim, como a Folha de São Paulo, como a própria Folha da Tarde de Porto Alegre. Mas colocando na época histórica do folhetim, que é quando José de Alencar e Machado de Assis escrevem em jornais, Olavo Bilac é da publicidade mas publica poemas nos jornais, ou utiliza uma certa linguagem técnica e poética para fazer anúncios publicitários, e são assuntos que saem em jornais, então há esta primeira época, e há este jornal ainda não-empresa, não fazendo parte das indústrias culturais. No momento em que se transforma em empresa, também se especializa em certos gêneros que se fragmentam em páginas específicas em diversas editorias. Uma parte do jornal que era a definição do político-literário, esse literário passa a ser um caderno separado. A informação e a notícia tomam uma preponderância, uma hegemonia e relega a literatura para um final de semana dentro de um caderno. Agora nesse início, os cadernos traziam a crítica literária num sentido acadêmico. Até 30,40 anos atrás, o caderno de Cultura do Correio do Povo trazia colaboradores do campo acadêmico escrevendo academicamente e fazendo críticas literárias no sentido acadêmico. A Zero Hora começou um pouco com isso. Mas durante muito pouco tempo, porque Zero Hora e o Correio do Povo são ultrapassados nesses modelos de cadernos culturais das indústrias culturais que se consolidam no Brasil nos anos 60 e 70.

Além dessa especialização dos jornais - e quando se fala em indústrias culturais, mesmo que a literatura continue tendo um papel de referência não dominante - ela começa a ter que disputar com outras formas de expressão das indústrias culturais. A primeira delas vai ser o cinema. Neste sentido há um espaço no caderno de cultura e a partir de agora se deve falar de filmes e crítica cinematográfica. Mas a principal mudança dos anos 70 é a criação da indústria fonográfica. Se um jornal se baseia em atingir o maior número de pessoas, de certa maneira esse sentido acadêmico da literatura passa a ser interessada apenas a uma elite, que continua ainda a ser do interesse do jornal atingir, porque ele é legitimado por esse grupo de leitores. Mas financeiramente interessa atingir um número maior inda, que são as pessoas que vão ler o caderno de cultura ou legitimar o jornal como um todo, em termos culturais e tendo que aceitar páginas sobre televisão e música popular. Começa a haver um tratamento diferente para os textos. A crítica que era literária e feita academicamente passa a ser feita por jornalistas especializados, que não fizeram e não vêm do campo da literatura e fazem uma crítica literária, jornalisticamente falando. E nisto interessa o maior número de pessoas. Assim a seleção dos livros e dos produtos da literatura serão outros. Por que falar de Machado de Assis se posso falar de um Best-Seller? Isto interessa a um número maior de pessoas dentro da lógica do jornal. Vira uma crítica de orelha de livro e que às vezes é isso mesmo, uma reprodução de orelha de livro.

Antes a literatura pegava o jornal como suporte, entre aspas pura, mas agora é o jornal que prende a literatura em termos da venda de espaço para a publicidade. Não é nem melhor nem pior. É outra coisa. A crítica literária acadêmica passa a ser especializada dentro de revistas e periódicos acadêmicos que circulam apenas dentro da universidade e com tiragens reduzidíssimas. Ainda há cadernos culturais com vocação de trabalhar num nível com referência a literatura mais elitista. Cito o caderno Mais da Folha de São Paulo, e em algumas vezes o caderno B do Jornal do Brasil, que existiu durante muito tempo. Depois ele se comercializa e muda o tratamento do que vai selecionar. E se ele era a base do jornal, hoje é uma excrescência, é algo marginalíssimo, porque se tu abres um segundo caderno de um jornal, estão lá os produtos da indústria cultural massificados, e a literatura não é um produto cultural massificado.

P- Você escreve para adultos e crianças. É difícil escrever pra criança?

R- As vezes fazemos a comparação de que falar pra criança é muito mais difícil do que pra adulto. Eu não me sinto forçado a escrever. Não estou fazendo um estudo da linguagem para este tipo de público. Espontaneamente me expresso daquela forma, me dirigindo a um tipo de público, mesmo se antecipadamente, ao começar a escrever, eu não tenha esse planejamento positivista. Tenho um leitor ideal e me dirijo a ele. A partir daí o tratamento da linguagem aparece de maneira espontânea, porque se ele não aparecer assim ele seria forçado e artificial. Se ele é espontâneo eu não tenho dificuldade de escrever. Agora, se eu fosse escrever para as vovós... não me passa pela cabeça escrever. Então não seria espontâneo. “Vovô fugiu de casa” é vendido para crianças e pessoas mais velhas. E eu não pensei em escrever para os avós. Não estava utilizando esta linguagem. E também não pensei: vou cortar as palavras difíceis! Ou elas apareceram daquele jeito ou eu vou trabalhar no sentido forçado. Não sinto dificuldade de escrever. Talvez se fosse um trabalho encomendado, talvez sentisse.

Podemos começar um livro três anos antes inconscientemente e aquela idéia amadurecer. No momento em que a idéia já está madura e jorra, ela vai de uma maneira espontânea mesmo em termos de estilo e do tratamento que se vai dar.



P.S - Esta entrevista, jamais publicada além da monografia de conclusão do curso de Jornalismo, foi realizada dia 20 de maio de 2003, na Faculdade de Artes e Comunicação, na Semana Acadêmica da FAC.



28.5.07

Curso “O Brasil de Tarso de Castro: a arte da leitura & feitura do pasquim” é apresentado em Passo Fundo

O curso “O Brasil de Tarso de Castro: a arte da leitura & feitura do pasquim”, que será realizado durante a 12ª Jornada Nacional de Literatura, terá lançamento no próximo dia 03 de junho, às 18h, em Passo Fundo. A apresentação acontece durante a Canja de Cultura e Psicanálise, no Velvet Bar.

A 12ª Jornada Nacional de Literatura acontece no Circo da Cultura, entre os dias 27 e 31 de agosto. A programação é composta por debates, mostras, espetáculos teatrais, conversas paralelas e também por cursos. “O Brasil de Tarso de Castro: a arte da leitura & feitura do pasquim” será realizado nas manhãs dos dias 28, 29, 30 e 31 de agosto.

As inscrições para o curso acontecem no mesmo dia das inscrições da Jornada, 4 de junho, a partir das 8h, pelo site www.jornadadeliteratura.upf.br. Outras informações podem ser obtidas através do e-mail maurogaglietti@upf.br.
Atenção alunos do 7º e 8º semestre de Jornalismo!!

Estão abertas as vagas para os trainees da Folha de S. Paulo e do Estado de S. Paulo. Agora, também inicia o prêmio Caixa de Jornalismo Social. Veja as informações abaixo.

PRÊMIO CAIXA DE JORNALISMO SOCIAL

E NEGÓCIOS EM TURISMO - 4ª EDIÇÃO

Prêmio Caixa abre inscrições com nova pauta e categoria.
Inscrições até 23/06/2007

A Caixa Econômica Federal abre as inscrições para a 4ª edição do Prêmio Caixa de Jornalismo Social e Negócios em Turismo. Promovido pela revista IMPRENSA, com apoio da FENAJ, este é um dos maiores prêmios jornalísticos que visa reconhecer e valorizar o trabalho deste setor.

Neste ano, o prêmio Caixa traz duas novidades: a pauta Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - que substitui a pauta Microcrédito - e o lançamento da categoria JORNALISMO UNIVERSITÁRIO, na qual estudantes de jornalismo poderão participar com trabalhos de jornal laboratório impresso, web, rádio e TV de periodicidade semestral ou menor, desde que seja produzido por eles dentro das faculdades, cursos ou escolas de jornalismo reconhecidas pelo MEC.

Cada jornalista poderá inscrever, gratuitamente, quantos trabalhos desejar desde que sejam correspondentes às pautas: Habitação, Saneamento Básico, Meio Ambiente, Saúde Preventiva, Ensino Fundamental, Negócios em Turismo e Programa de Aceleração do Crescimento (a melhor matéria dessa pauta será contemplada com o Prêmio Especial do Júri Caixa de Jornalismo Social e Negócios em Turismo).

Concorrem aos prêmios todos os trabalhos inscritos nas categorias Jornalismo Impresso, Radiojornalismo, Telejornalismo, Webjornalismo, Fotojornalismo, publicados nos veículos de comunicação com sede no Brasil no período de 1º de maio de 2006 a 10 de junho de 2007. Todos os participantes concorrem ao Grande Prêmio de Jornalismo Social e Negócios em Turismo, que será entregue ao melhor trabalho inscrito entre os finalistas.

Os vencedores de cada categoria receberão uma dotação de R$ 12.500,00 (doze mil e quinhentos reais). Já a premiação do Grande Prêmio é de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Cada vencedor ainda receberá um troféu de autoria do artista brasileiro Raul Córdula. Os finalistas receberão um certificado pela participação e todos os inscritos no PRÊMIO CAIXA DE JORNALISMO SOCIAL E NEGÓCIOS EM TURISMO - 4ª Edição receberão uma assinatura semestral da Revista IMPRENSA, a partir do mês de julho de 2007.

bagualices desenfreadas: violência contra animais


Veja do que algumas pessoas são capazes de fazer...
As vezes algumas pessoas envergonham a já egocêntrica raça humana. Veja aqui.

25.5.07

A escrava do tempo e seu adorador

Carlos Heitor Cony fala do processo de criação de crônicas


* Mais uma entrevista realizada e publicada apenas academicamente. Eis aí a conversa que aconteceu no dia 03 de maio de 2002, no Centro de Eventos da Universidade de Passo Fundo, durante evento do Curso de Letras da UPF.



Agora em 2007 ele completa 80 anos. Parou de escrever ficção em 1952 e voltou a romancear em 1985. No entanto, sua tarefa diária de escrever para jornais é contínua e ultrapassou as barreiras, inclusive, da Ditadura Militar. Carlos Heitor Cony, escritor e cronista da Folha de São Paulo, teceu livros sobre Jucelino Kubitcheck, um livro-reportagem relacionado à primeira visita do Papa João Paulo II ao Brasil e publicou, entre outras obras, “Pilatos”, um de seus livros de maior sucesso. Durante quase 30 anos dedicou-se exclusivamente ao jornalismo.

O menino Carlos Heitor, que era fã de Monteiro Lobato, ganhou o primeiro livro aos 8 anos. Ele diz que adora livros porque amou Monteiro Lobato. Afirma também, com sua voz calma e arrastada, que o gosto pela leitura vem da família. “Tem que começar a ler desde pequeno”, diz.

Para Cony, o livro tem que ter aparência de livro, não de revista. Nesta entrevista, Carlos Heitor Cony falou sobre literatura, jornalismo e crônica.


Como é o processo de criação de suas crônicas?
Na crônica não existe um processo de criação, porque é um gênero muito leve, e não é como um romance, um poema e um ensaio, que precisa de estudo e tem ritual. A crônica não tem ritual. Ou ela sai ou não sai. Ela é crônica no sentido de tempo. Cronus, em grego, significa tempo. A crônica é escrava do tempo.

Muitas vezes, quando o cronista vai para a máquina de escrever, agora o computador, ele nem sabe o que vai escrever. Mas sai. Isso porque o cronista cria uma disponibilidade para ficar com uma espécie de antena para receber as expressões do tempo, do cronus. Já o romance tem que curtir a história, penetrar nos personagens. Na crônica até uma mosca voando pode dar assunto.

No jornalismo, quando não se tem assunto num dia, é melhor. Não ter assunto é assunto. É aquele negócio: Você acorda, abre a janela, vê aquele dia bonito, é um assunto. Ou abre a janela e não vê nada, é outro assunto. Uma vez o Rubem Braga escreveu que abriu a janela e viu um homem nadando. É uma crônica. Agora, no outro dia ele não pode dizer que viu de novo um homem nadando. Aí não dá.

A crônica é fiel aos fatos reais?

Não necessariamente. A crônica comporta tudo. É como um gênero “ônibus”: entra todo mundo. Não é um carro onde só os donos e os convidados dos donos entram. A crônica entra e sai, como um ônibus. A função da crônica é justamente levar o leitor a um determinado ponto.


Qual o gênero literário que o você gosta de escrever?

O Romance. É o mais difícil, e mesmo assim tenho escrito bastante. Tenho 15 romances e mais de 5.000 crônicas. O romance é uma estiva, uma pedreira. E a crônica não. Por isso se escreve mais crônica. Num dia eu chego a escrever 4 ou 5 crônicas, e elas saem fácil. Com o Luis Fernando Verissimo é assim, o Rubem Fonseca e o Rubem Braga também, o Humberto de Campos e João do Rio. O Machado de Assis foi o primeiro cronista. Depois João do Rio. Na verdade o João do Rio era jornalista, fazia reportagens muito bem feitas e hoje é vendido como cronista. Eu considero o melhor cronista brasileiro o Humberto de Campos, que hoje está completamente esquecido; porque ficou faltando na obra do Campos um romance, uma obra não subordinada ao tempo. Quando o Humberto de Campos morreu, em 1935, eu era criança, e o comércio do Rio de Janeiro fechou as portas. Era luto nacional que ninguém decretou. Isso porque todo mundo lia Humberto de Campos. Ele morreu cedo, com 45 anos, numa operação. Foi uma comoção. Ninguém chegou a popularidade de Humberto de Campos, nem mesmo João do Rio, nem Machado de Assis, nem Rubem Braga. Agora hoje ele é esquecido porque o tempo dele passou, os temas e a forma de ele escrever passaram. A melhor crônica dele chama-se “um amigo de infância”. É a mais bonita da literatura brasileira.

A crônica é um gênero que pertence ao mesmo tempo ao jornalismo e a literatura. Mas tem um tempo. E o romance supera o tempo. A maior alegria para um romancista é, depois de morto, continuar sendo reeditado. E para o cronista quanto mais dentro do tempo conseguir ficar, melhor.


Como você vê o jornalismo hoje?

O Jornalismo, com todos os defeitos de percurso que tem, é muito positivo, porque tem um papel importante na história do Brasil. Não se pode esquecer do Correio Braziliense, o do Hipólito José da Costa, com a sua função na Independência, a República, a abolição e todos os movimentos de participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial, a queda do Fascismo...

E agora recentemente o jornalismo tomou uma decisão com relação ao Collor. Isto analisando o jornalismo de forma Macro, que sempre acompanha o tempo. No micro o jornalismo é sórdido. Os jornais se profissionalizaram como empresas, e eles vivem com o positivo, não no vermelho. O jornal está comercial, mas no fundo é uma empresa. Antes o jornal era uma coisa romântica. Você fazia o jornal pra defender suas idéias.

Mas as empresas jornalísticas hoje tem uma preocupação muito grande com os serviços, é mais social do que antes. Antigamente o jornal era só opinião. O primeiro jornal do Chateaubriand foi para defender o Faquar, que era um estrangeiro que veio para explorar a Amazônia. O jornal não tinha noticiário nenhum (o do Chatô). A guerra corria feia na Europa e ele não davam notícia nenhuma, só defendia a situação dele.


Quais são os seus expoentes na literatura?

Machado de Assis é o único. Já gostei dos livros Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, e depois que fiz 60 anos passei a gostar de Quincas Borba. É uma questão de amadurecimento. Para mim o Quincas Borba é o suprassumus da inteligência humana, e da criação humanística dos livros brasileiros.



Reprodução da foto de Claudio Tavares

23.5.07

"Cagada" na frente de casa

Moro num prédio de três andares. Ao lado, há uma construção inacabada, que resulta em capins, lixos e cacos de vidros. Em resumo, um terreno baldio.
Agora, com todo o terreno baldio ao lado e com todos os banheiros públicos disponíveis, veja onde um cidadão foi "evacuar" na noite do dia 21 de maio: exatamente em frente a porta do prédio onde resido. O cheiro foi de matar. Quando abri a porta para a faxineira entrar, ela estava no meio da rua. Me olhou e disse: "E é de gente! E pelo cheiro e tamanho, de gente grande!"



Veja a "constituição e a reconstituição" das fotos da grande "cagada"!

"A cagada"

















"A Limpada"

















"O local da cagada"






















"A distância do terreno baldio"

21.5.07

Um correspondente marcado pela guerra

José Hamilton Ribeiro, o jornalista que cobriu a Guerra do Vietnã, conta alguns detalhes de sua interminável história


Um ícone do jornalismo mundial esteve em Passo Fundo em 2002. Eu era estudante do segundo ano de jornalismo e mais uma vez fiz uma entrevista que permaneceu guardada por anos. Exatamente cinco anos. Agora chegou a vez de, enfim, publicá-la.. José Hamilton Ribeiro, hoje com 72 anos, gravou em Passo Fundo um Globo Rural para a TV Globo, sobre ovinocultura de corte.

Zé Hamilton, como é chamado pelos amigos, é paulista da cidade de Santa Rosa do Viterbo. Aos 20 anos a guerra marcou sua vida. Participou da Guerra do Vietnã como correspondente, e perdeu uma perna, atingida por uma mina. Dessa experiência nasceu a grande-reportagem “Eu estive na Guerra”, publicada no livro das 100 maiores reportagens do século. Ano passado Zé Hamilton contou essa mesma história no livro “O gosto da Guerra”, publicada pela coleção “Jornalismo de Guerra” da Editora Objetiva. Com esse livro o autor recebeu o prêmio internacional Maria Moors Cabot de 2006, o mais antigo prêmio concedido aos jornalistas dos Estados Unidos e da América Latina cujo trabalho incita a liberdade de imprensa.

Jeito simples e simpático, o jornalista circulou pelos campos do Planalto Médio, conversou com a população, tirou fotos com admiradores e, mesmo sujo de sangue, em razão de um acidente de trabalho, atendeu à imprensa local. Eis a entrevista concedida pelo maior jornalista em atividade do Brasil, José Hamilton Ribeiro.


P- O que você veio fazer em Passo Fundo?

R- O Globo Rural veio para Passo Fundo fazer uma reportagem sobre cordeiro de corte. Isso porque em São Paulo, e no Brasil todo, está aumentando a procura por carne de cordeiro. Aí se lembra do Rio Grande do Sul. Mas a parte mais sul do estado é voltado para o carneiro de lã, então teria que ser uma parte do Rio Grande do Sul que não fosse da região dos pampas, e sim do norte. Então pesquisamos daqui e dali e descobrimos que a Universidade de Passo Fundo, na faculdade de Agronomia e Veterinária, tem um projeto de ovinocultura de corte e nós viemos aqui. Essa foi a primeira razão. A outra é porque Passo Fundo, esse ano, vai ficar muito importante para o Brasil, porque é a terra do Felipão (risos. Época da Copa da Alemanha, em que o Brasil foi o campeão).


P- O que o mantém por mais de 20 anos no Globo Rural?

R- É um bom lugar para se trabalhar, porque há a possibilidade de fazer reportagens longas, de contar uma história, sabe... e ter uma linguagem coloquial. É um programa voltado para o espectador simples, não é perseguido pelo stress do IBOPE, você não é obrigado a lutar por ele. É um programa claro, comprometido com o interesse do pequeno agricultor, do homem da terra, enfim, do homem da raiz do Brasil.

P- Você participou da Guerra do Vietnã como repórter. Como foi esta experiência?

R- O Brasil não tem história, não tem currículo, nem tradição de correspondente de guerra. Para ter correspondente de guerra é preciso duas coisas: jornalismo e guerra. O Brasil não tem guerra. Nós tivemos uma guerra, contra o Paraguai, mas junto Brasil, Argentina e Uruguai. Foi um massacre. A nossa participação na Segunda Guerra Mundial foi heróica, porém simbólica. Então o Brasil não tem tradição de guerra. E o Brasil não tem tanto jornalismo assim. Mas nos Estados Unidos e na Europa o correspondente de Guerra, correspondente internacional, vem a ser uma carreira que o jornalista faz na redação. Ele entra como repórter de cidade, depois passa a ser regional, nacional e se transforma num correspondente internacional. Então se vê que um correspondente de guerra, ao nível da experiência mundial, é um profissional experimentado, que não é uma criança atrás dum brinquedo. Ele tem consciência do que está fazendo, da sua responsabilidade, inclusive do risco.

Cada profissão tem sua taxa de risco. Um médico, um dentista, um engenheiro têm taxa de risco. E na taxa de risco de um jornalista, especialmente do jornalista de guerra, há também um componente que a pessoa se conscientize dele quando há algo desse tipo.

P- Como correspondente de guerra, qual o ato mais repugnante e o mais nobre que você viu na guerra?

R- A guerra é o momento que você pega a humanidade em flagrante. Na guerra tem momentos de repugnância e momentos de heroísmo, altruísmo e solidariedade. Você vê um ajudando o outro. Os colegas jornalistas sem dúvida. Mas mesmo os combatentes, entre os guerreiros. Você vê solidariedade, às vezes, até com o inimigo. A Guerra é uma parte da vida humana. Nós herdamos isso dos primatas. Tem muita guerra entre família e espécies, e isso é próprio do homem. A humanidade nunca passou um momento sem guerra, e nem sei se vai passar. É um sonho quimérico se trabalhar com a paz. Vemos Israel e o Oriente Médio, é uma porção do mundo com um poço de sabedoria, onde nasceram três religiões importante; é a terra de Maomé, Jesus Cristo, e no entanto, aquilo está em permanente guerra! Então, a guerra tem o lado cruel e sangrento, mas tem também o lado heróico e humano.

P- Você foi presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico. O que mais o atrai nessa área?

R- Jornalismo científico é uma especialidade, é um setor do grande jornal, da TV, da revista, é importante também do ponto de vista do país. Eu tenho conhecimento de uma pesquisa que revela que os Estados Unidos, o país líder da pesquisa científica no mundo, que detêm 85% dos prêmios Nobel do mundo, e onde a pesquisa científica é muito valorizada pela população, acha bom que o governo destine grandes massas de dinheiro para pesquisa científica. E um dos fatores que levam a isso é porque o jornalismo americano tem um bom jornalismo científico, e o povo gosta de ler jornalismo científico para entender como a ciência está caminhando e o conhecimento humano está avançando. O jornalismo científico bem feito é um fator de venda de jornais, tanto que existem revistas no mundo inteiro que se apóiam no jornalismo científico e algumas estão sobrevivendo com mais de um século.

P- O livro “A greve das garças do Pantanal”, foi um livro escrito por você, com os pássaros fazendo uma greve para preservar o Pantanal. Esse livro foi escrito para conscientizar as pessoas?

R- Esse livro não está impresso. Ele está escrito mas ainda não está publicado. Chama-se “A greve das garças do Pantanal”. É um libelo contra a destruição que está se fazendo no Pantanal, com a contaminação química, a super-pesca que está destruindo os rios, o desmatamento, e a falta de visão dos governos locais e do governo nacional em relação ao Pantanal. O Brasil não se dá conta que tem um tesouro, uma jóia do planeta terra, e que não cuida dessa jóia. O Brasil não merece ter o Pantanal, como parece não merecer a Amazônia. O livro é uma prosopopéia, um texto literário em que os animais falam, e a coisa vai ficando tão ruim para a vida dos pássaros, que eles resolvem fazer uma greve no sentido de não se reproduzirem mais. Eles dizem assim: “ou o Brasil muda, ou nós vamos mudar para o Paraguai”.

P- Como jornalista, você fundou a Quatro Rodas e trabalhou na revista Realidade e na Folha de São Paulo. Atualmente trabalha na TV Globo. Você prefere qual meio de comunicação?

R- Tenho mais afinidade com a imprensa escrita. Tenho dificuldade com a TV.

P- Gostaria de voltar a escrever em jornal?

R- Eu tenho a sensação que um dia voltarei para a imprensa escrita.

P- Os meios de comunicação de hoje informam como deveriam?

R- Não. Absolutamente não. No Brasil, o melhor programa jornalístico que existe é a Voz do Brasil.

P- Você ainda acredita na coerência da imprensa?

R- Não há nenhuma coerência na Imprensa.

P- Esse é um ano eleitoral no Brasil (em 2002). Se não há nenhuma coerência na imprensa, como você acredita que será a campanha Presidencial vista pela imprensa?

R- No Brasil existe uma lei importantíssima, que é a Propaganda Eleitoral Gratuita. Talvez seja a lei mais importante do país, porque é aquela que permite que um partido pequeno, de doutrina exótica, retardada e retrógrada, tenha direito de expor suas idéias na televisão e no rádio durante o período em que isso é garantido. É uma lei maravilhosa, mas está sendo torpedeada em São Paulo. Tem gente querendo acabar com o Horário Eleitoral Gratuito. Um defensor dessa lei é o senador gaúcho Pedro Simon (PMDB). Mas ele tem consciência que existe, no meio empresarial, principalmente, um movimento para acabar com a Lei do Horário Eleitoral Gratuito, que é uma das coisas mais democráticas que o Brasil tem.


Fotos: Claudio Tavares

18.5.07

Os leitores choram de tédio!

Latinistas búlgaros. Assim parecem a maioria dos jornais brasileiros. Formais, metódicos, sem-graça. Pensam que os leitores são uns idiotas.

Calma! Não queiram me trucidar igual muitos fizeram com o texto de Rodrigo de Andrade. Não tenho nada contra latinistas, nem búlgaros. Nem contra formais. Mas latim demais, erudição demais e formalismo demais, mata. Se tudo for dosado, beleza. Caso contrário, me desculpem, mas mata. E de tédio.

Os jornais brasileiros, ou, volto a dizer, a grande maioria deles, mata o leitor. Aborrece. Faz fechar o jornal depois de ler as manchetes. E que triste escrever tudo aquilo para, apenas, chamar a atenção pelas manchetes e não pelo conteúdo. Ou, ainda, fazer o leitor ler o lead (uma ejaculação precoce, como diz o nosso grande amigo João Carlos Tiburski) e abandonar o texto porque já sabe tudo ou porque perdeu a graça. Chatice! Os jornais, além de informar, precisam fazer pensar. E, se isso não for feito, não têm porque existir. Grandes jornais nunca se transformam no banheiro do cachorro.

O verdadeiro jornalismo precisa se despir do moralismo, da castidade, da técnica pura e solitária. É necessário um jornalismo explícito, mas também implícito. Objetivo e subjetivo. Os leitores não são burros! Eles participam do processo de “interação social”. O ponto-de-vista do jornalista precisa interagir com o texto e também com o leitor. Por que não mostrar os detalhes de um fato? Por que não contar histórias? É necessário equilibrar a técnica jornalística e a contação de histórias. Adoraria ler um texto que misturasse os recursos de escrita: narração, descrição, exposição. Por que não, Senhor, aparecer o ponto-de-vista de quem assistiu ao episódio? Por que não, o repórter ser um personagem de seu próprio texto? Por que não a exposição de cenas e o diálogo numa reportagem do cotidiano? Isto é realismo social de não-ficção, senhores.

As roupas do personagem, a expressão, como os objetos estão dispostos no lugar. O bom jornalista conta histórias. Repara, observa. Tem o dom de levar o leitor para dentro do texto, para que ele se sinta, também, uma testemunha do fato. O objetivo dos jornais não deve ser apenas a venda ou a informação primária. Os jornais precisam ter o objetivo de proporcionar leitura de qualidade, profundidade de informação, detalhes de fatos, literatura, criatividade e genialidade. Tudo ao preço de R$2,50.

Salvem os pontos de exclamação em matérias jornalísticas! Salvem os travessões! Amem os palavrões, as expressões do dia-a-dia, a linguagem de cada um! Salvem Tom Wolfe, o criador do Novo Jornalismo, que reitera a presença da literatura dentro do jornalismo através da “contação passo-a-passo” de um fato. Salvem o Jornalismo Gonzo, que conta os fatos através de uma história vivida pelo próprio repórter. Regozijem o repórter mais célebre do Gonzo Jornalismo: Hunter Tompson. Era um comum, como a maioria de nós, e contava as suas histórias. E, pra não ficar longe, regozijem o passofundense Tarso de Castro, que numa sociedade puritana escreveu “BICHA! BICHA!”, e quase enlouqueceu a sociedade. E ainda bem que enlouqueceu...

Está na hora de quebrar os padrões. Com este texto não quero criticar colegas, parceiros. Mas sim a forma, o sistema, o padrão. Esquecer um pouco a técnica! Virar as cadeiras das redações. Bom, para não me matarem, tudo bem, conservem a técnica, mas dêem liberdade para os repórteres poderem criar! Para estes testemunhas contarem a história do jeito deles, com a autoridade deles, com o trabalho de criatividade deles. As árvores podadas já estão em extinção. Está na hora de preservá-las! Caso contrário, a fala de Tom Wolfe, proferida alguns anos atrás, pode voltar, no tempo presente, ao jornalismo brasileiro atual: “Os leitores choravam de tédio sem entender por quê. Quando chegavam àquele tom de bege pálido, isso inconscientemente os alertava de que ali estava de novo aquele chato bem conhecido, ‘o jornalista’, a cabeça prosaica, o espírito fleumático, a personalidade apagada. [...] Isso não tinha nada a ver com objetividade e subjetividade, ou com assumir uma posição ou ‘compromisso’ – era uma questão de personalidade, de energia, de tendência, de bravura... numa palavra, de estilo...”

Uuuuuuuuhhhhhhhhhh!! O que vocês acabaram de ler não foi uma alucinação, uma visão, uma historinha sem-fundamento. Isso é a raiz de um jornalismo. Existente, forte. Sem-espaço na grande mídia. Mas guerreiro! Existe outro jornalismo fora do que as pessoas estão acostumadas a ler, ver, ouvir. Um jornalismo que, apesar das surras constantes, sempre acha uma brecha para respirar e viver! E que procura novas pessoas que possam atravessar a rua e conhecer os dois lados da avenida. Latinistas búlgaros podem se relacionar bem com gente comum. Tudo é uma questão de linguagem.

P.S - Texto publicado originalmente no Jornal CadaFalso.

14.5.07

Tudo bem, ele pode demorar

Luis Fernando Verissimo conta seu processo de criação

As negociações para esta entrevista foram incessantes. Elas começaram no início de 2003. Dois meses de tentativas por e-mail para conversar com o personagem principal de minha monografia de conclusão do curso de Jornalismo intitulada “As crônicas de Luis Fernando Verissimo”, cujo livro trabalhado foi Comédias da Vida Privada. Logo, esta entrevista tem mais de quatro anos e só foi publicada no referido trabalho. Depois da graduação e até do meu Mestrado, enfim chegou a hora de mostrar esta curta conversa aqui no Blog SantaSaliência.

As minhas tratativas com o autor começaram assim: “Oi Luis, tudo bem? Estou escrevendo minha monografia e quero baseá-la nas tuas crônicas...”. Continuei o blá blá blá digital até a derradeira frase: “Tu me concedes uma entrevista?” Na primeira tentativa a resposta veio uma semana depois: “Cara Roberta. Pode mandar as perguntas. Assim que eu tiver um tempo as respondo”. Talvez pelo volume de trabalho ou pela preguiça de um eterno desorganizado – como ele mesmo se define; as perguntas foram aparecer na minha caixa de mensagens três meses depois do primeiro e-mail. Vários outros foram enviados por mim sempre tentando manter-me profissional, embora em alguns casos meus dedos queriam escrever “te adoro!!!” “Você é meu cronista preferido, imaculado, me curvo aos seus pés!!! Mas por favor, responda esta entrevista!”. Mas não. Mantive-me séria e profissional. O máximo que ousei escrever foi um íntimo “Oi, Luis”, de letra arial 12, que disfarçava toda a minha admiração.

Nesta entrevista, Verissimo fala sobre seu processo de criação e a pressão de entregar um texto diário para os jornais. Deixou a impressão de ser um tanto quanto tortuosa a sua vida de cronista, e mostrou por que é autor da crônica genial “A Frase”, aquela do “o uísque dos uísques”.

P - Como é o processo de criação de suas crônicas?
R –
Depende de muita coisa. Se há tempo para pensar e escrever, se você dormiu bem, se há um assunto quicando ou você precisa bolar um, etc. Eu normalmente só decido o que vou fazer quando me sento na frente do computador mas é claro que a gente está sempre pensando no que vai escrever, mesmo quando não se dá conta.

P - A crônica é fiel aos fatos reais?
R –
Quase sempre o fato real é apenas o ponto de partida da crônica, que portanto não precisa ser fiel como uma reportagem. E às vezes a origem da crônica é fato nenhum.

P - Suas crônicas geralmente falam do cotidiano. De onde brotam as idéias? Do próprio dia-a-dia? Como isto funciona?
R – São histórias que a gente ouve, ou que acontecem com a gente mesmo. Às vezes só uma frase ouvida de passagem pode detonar um processo que termina numa história pronta. Outra vez há um assunto em evidencia que você quase se obriga a comentar. Quem escreve sobre qualquer coisa e dá palpite sobre tudo, claro, tem esta liberdade, de variar o assunto e até o estilo conforme a sua disposição.

P - A influência de algum autor nobre e admirado é inevitável para a formação da característica textual de um cronista. Até desenvolver o seu estilo, você se inspirou em qual autor?
R – Nos cronistas brasileiros, principalmente Antônio Maria, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga.

P - Na sua opinião, uma grande crônica é imortalizada, como um grande romance, ou ela acaba degenerada pelo tempo?
R –
O trabalho jornalístico normalmente é efêmero, pois suas referências são factuais e passageiras, mas algumas crônicas têm um apelo mais universal e são escritas para ficar. Nem sempre ficam mas pelo menos são as que acabam em livro.

P - Como você compõe os seus personagens? Eles são baseados na auto-análise, ou na observação de “tipos” do cotidiano?
R –
Entra tudo, nossa experiência pessoal, a observação dos outros. E muitas vezes são pura invenção, ou delírio.

P - Você acredita que a crônica é um gênero intermediário entre a literatura e o jornalismo? Ela é um gênero híbrido?
R –
É um gênero híbrido. Às vezes é jornalismo literário, às vezes é literatura jornalística, depende da dosagem dos ingredientes da receita. Mas é sempre um jornalismo especial, personalizado, eqüidistante do artigo e da reportagem.

P - A objetividade do jornalismo ajuda ou atrapalha na redação de uma crônica? Você se preocupa com isso quando escreve?
R – Acho que se espera do cronista que ele seja subjetivo. É a sua subjetividade que as pessoas procuram, o resto do jornal é que deve ser objetivo. E, claro, raramente é. Mas o cronista é pago para dar a sua visão pessoal. Sem distorcer a realidade, obviamente. Ou só a distorcendo para efeito literário, quando é o caso.

P - Na sua opinião, quais as características de suas crônicas são voltadas ao jornalismo, e quais a literatura?
R – É difícil separar as mais ou menos jornalísticas e as mais ou menos literárias. Depende do assunto, do tempo para elaborá-las, da disposição do momento. Não fiz esta estatística.

P - Como é o seu processo de produção? Você escreve preso ao horário, como os jornalistas?
R – Eu sempre digo que a minha musa é o prazo de entrega. Ela impõe uma certa rotina de trabalho, mesmo num desorganizado como eu.

P - ‘Em cartas a um jovem poeta’, Rainer-Maria Rilke escreveu: “Confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever?” E você, morreria se lhe proibissem de escrever?
R –
Não. Eu acho que daria graças a Deus. Que obviamente não é o mesmo Deus do Rilke.



Fotos: divulgação.

9.5.07

É hora do Intercom Sul 2007!!!

Passo Fundo é o centro da comunicação de 10 a 12 de maio, com o Intercom Sul. Pelo evento passam teóricos, profissionais, professores, estudantes e pesquisadores do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, além de participantes de regiões do Norte e Nordeste do Brasil.

Clique aqui para saber mais.

8.5.07

Conversa de duas vizinhas

Hoje resolvi fazer uma matéria sem restrições jornalísticas. Sem padrões salientes, sem ouvir os dois lados. Fui apenas conversar sobre um assunto que me inquieta muito.

Moro no centro de Passo Fundo, entre a rua Morom e a Independência. Na esquina, do lado de baixo do prédio onde resido, há um armazém chamado “Armazém e fruteira do Danilo”. Ali, junto ao armazém, habita a família do seu Danilo. Ele, a mulher, dona Ieda, a filha e dois gatos, o Amim e o Guri. O casal vive há 19 anos nesse lugar. Com o tempo veio a filha e os bichinhos. Há um bom tempo observo o quanto a dona Ieda é solícita com os animais de rua. Aqui na nossa “confluência”, há mais ou menos uns 10 gatos e uns 7 cachorros. Todos alimentados pelos moradores da redondeza e, principalmente, pela dona Ieda, a qual considero, verdadeiramente, a nossa governadora.

Dona Ieda tem 54 anos e faz a diferença na vizinhança. É ela, juntamente com mais duas mulheres, quem alimenta e trata os cachorros e gatos. Se um vizinho quer dar comida ou remédio e tem medo de um deles, a Dona Ieda é o ponto seguro. Numa dessas manhãs, indo para a universidade, vi que um dos dogs, o amigo Rabisco, estava machucado na cabeça, resultado de uma pedrada. De imediato consegui o remédio. Mas quando fui passar no gigante Rabiscão, como chamo, ele se mandou. Como consegui solucionar o problema? Gritando para a Dona Ieda, que veio rindo ao meu encontro. Chamou o Rabisco e dentro de instantes o bicho estava com o remédio na cabeça. “Tenho dó desses bichinhos na rua, por isso dou comida e cuido deles”.

Numa noite dessas resolvi bater um papo com a Dona Ieda. Fui de pantufas e gravador até o Armazén.

- Dona Ieda, a senhora me concede uma entrevista?

- Eu?????????

Quem freqüentava o armazém naquele momento e tomava a cachacinha de final de tarde, olhou pra Dona Ieda e riu. “Mas há, hein, D. Ieda”!!!

Quando comecei de fato a entrevista, realizada na rua, no meio da bicharada, questionei:

- Por que a senhora ajuda tanto os bichinhos (D. Ieda é praticamente uma Madre Teresa do bichos)

- A gente gosta dos bichinhos...Eu sempre tive gatos, sempre, sempre, sempre, desde pequena... e aqui na rua, entre cachorro e gato tem uns 15.

Todos os dias, nos três turnos, D. Ieda sai do armazém para dar comida e carinho para toda a galera que vive por ali.

- A gente paga imposto, paga tudo... a prefeitura deveria fiscalizar isso... deveria conferir se estes bichos são de alguém ou não...

Perguntei se ela sabia quanto gastava por mês com o seu lado de boa samaritana. Dona Ieda riu e disse que não tinha idéia.

- Eu nem somo, porque eu ganho a comida (para dar pra eles)... todos os vizinhos me trazem. Uma vem com uma sacolinha, a outra vem com outra.... e guardamos no freezer. Nessa vizinhança todo mundo ajuda... mas tem gente que ajuda a largar gato também - diz rindo.

Com o passar dos dias, sempre sorrindo, dona Ieda dá carinho e tenta encontrar um novo lar para os bichinhos que não o tem:

- Antes tinha 10 gatos, agora já consegui doar 5....os bichinhos são largados aqui e vão se refugiando.

Além dos gatos, tem também os cachorros. Uma das preocupações da comerciante é a cadelinha Coração.

- Ela deu cria quatro vezes... a cada seis meses tem mais cachorrinhos. Não posso chegar perto (dos cachorrinhos recém-nascidos) porque tem um cachorrão atado... não dá pra chegar perto. Mandei um cara que tem amizade com o cachorro pra olhar.

Eis que, no meio da nossa conversa aparece Nenê, um cachorro muito bonito, com a cor dos olhos diferente um do outro.

- Esse aqui ó, é filho do Rabisco.

* * *

Para você, leitor, entender melhor, o Rabisco tem uma história clássica na vizinhança. Ele é filho de Saddam e uma cadela que não lembro o nome. Então, os donos dos cachorros-pai-e-mãe doaram o Rabisco, então bebê, para a casa ao lado. Esta, porém, não cuidou do Rabisco. As vezes ele passava fome e chegou até a ser atropelado algumas vezes. Então a família que doou tentou reaver o Rabisco, sem sucesso. O caso parou até em instituições de amparo aos animais. Pois a família que ganhou o Rabisco o pegou de volta. E mais uma vez não o cuidou. Então o rabisco fez um sexo com a Coração e nasceu o Nenê. O Rabisco parece mesmo aquele cachorro da Patrulha Salvadora, da novela Carrossel. E tem uma cara muito falcatrua, de cachorro feliz e que apronta. Quando a família do Rabisco mudou-se de endereço, ele ficou. Dormia em frente ao meu prédio. Eu auxiliava na alimentação e me tornei amiga do dog. Quando eu chegava de madrugada o Rabisco cansou de me acompanhar. Então a família dos pais do Rabisco o pegou de novo. E ele ficava então dentro da propriedade da família, num pátio. Uma ou duas horas por dia eles soltavam o Rabiscão para brincar com os amigos. A vizinhança inteira estava feliz com a nova vida do Rabisco. Até que um dia, há pouco tempo, a família que ganhou o Rabisco veio buscá-lo. Hoje dizem que ele vive amarrado.

* * *

Voltando ao papo feliz com a D. Ieda.... ela está falando bem do filho do Rabisco, o Nenê.

- Tem um olho azul e outro marrom. Ele é lindo.

Então ela dirige-se ao Nenê com voz de um adulto que brinca com crianças e animais... aquela voz diferente: “Oi nenê?? Olha meu olho? Um azul e um marrom??? Eu sou simpático”, imita um cachorro falante. Quando Dona Ieda olha para o lado vem Loirão, um simpático Dog clarinho que mora em frente ao armazém.

- É hora de janta agora... ó o outro levantando pra conferir (fala referindo-se ao Loirão, que viu a movimentação com um rango). O loirão é castrado... mas não tem dono. Ele fica aqui e ganha comida... acho que ele quer ser nosso - afirma “queridamente”.

Dona Ieda me conta que tem dois gatos (na verdade eu já sabia... vivo brincando com eles)...

- Eu tenho dois gatos, o Amim e o Guri. O Guri eu fui buscar e o Amim um dia eu cheguei e ele tava aqui. São castrados e não saem de casa. Não são festeiros.

Ela me olha e pede:

- Quantos anos tem a tua?

- Um aninho.

- Ôôôô.... é a idade bem afoita... (risos). O Guri vai fazer 8 e o Amim vai fazer 5. Eles vivem bastante. A minha filha diz que eu sou vó e o Danilo é vô... minha filha diz que eles vão morar na praia com a gente.

Neste momento D. Ieda é tirada abruptamente do devaneio litorâneo. Passa um carro e o Loirão sai acuando atrás do carro:

- ó, de noite ele faz isso. E isso que me estressa! Ele chama todos os outros para irem junto... e se dá um acidente, sobra pra quem? Pra eles! Eu não sei o que vai acontecer. O Nenê ajuda o Loirão. Na madrugada eles agitam.

- É, mas eu tenho que defender eles na madrugada....

- Eles te ajudam?

- Siiiim... fazem proteção pra mim.

- Eles são muuuuuito queridos. Eles querem trabalhar e prestar serviço pra gente... o Loirão é muito querido.

E grita:

“Loirão, sai da rua!”... parece que eles sabem o horário também... Ó lá a comidinha deles ali no outro lado da rua... ali tem água e comida pra todos os bichos que passam na rua – diz.

Dona Ieda me olha e recomeça a falar:

- Se eu tivesse mais espaço eu queria mais (bichos). Gosto muito de bicharedo. Eu gosto mais de gato do que cachorro, gato dá menos trabalho, porque eles são mais independentes. Mas a maioria das pessoas não gosta de gato, são supersticiosos, dizem que dá azar... mas pra mim é o contrário! E eles são muito mais limpos que os outros. Mas eles precisam brincar com alguém, ... o que eu tenho de foto deles... eles estão até na Internet esses dois! A minha filha que coloca....

Quando penso em tirar uma foto dos cachorros que participavam como “ouvintes” da entrevista, Ieda disse:

- Ô Loirão, olha pra cá com essa tua cara suja! Vamos tirar uma foto! – disse ela brincando.

De imediato o cachorro saiu correndo e começou a acuar.

- Ai que medo! Ai que medo! (eles ficam com medo da máquina)... parece que machuca! Mas é que eles são bichos com problemas, sofreram muitos acidentes, eles têm muito medo – reitera.

Enquanto estamos conversando vem a Coração, a cadelinha que deu cria há algumas semanas:

- Oooooiiii coração (diz manhosa)....hora da janta... ela não gosta muito de ração, gosta de comida... Mas ela não gosta de vir pegar a comida porque os outros roubam a comida dela. Tem dias que ela é bem enjoada.... “pega Coração!”.... (Coração pega e vai comer escondida. Os outros saem atrás pra pegar a comida da boca da Coração). “Vai ligeiro coração”... Ela pega um pedaço e vai pra casa, pega outro e vai pra casa. Daqui a pouco ela volta pegar mais. Vem e vai... e tu sem vergonha.... (diz olhando para o Nenê...) Tenho que cuidar pra dar comida pra ela. Eles se dão bem, mas na hora da comida é assim! Daqui a pouco ela volta...é uma confusão com esses bichos. A Coração deve ter mais de 8 anos, pelo menos que eu me lembro dela.

- A senhora acha que algum deles, aqui da nossa vizinhança, passa fome?

- Fome nenhum deles passa. São todos obesos, a menos alimentada é a Coração...porque ela é enjoadinha... e mesmo assim ela não é magra. A vizinha disse que ontem largaram lá no Capa (entidade que cuida dos animais de rua) um monte de gatinhos sem mãe, e uma cadelinha grávida e com o pescoço cortado. Eu se tivesse um espaço queria botar eles fechados, para não ficarem na rua....(e, mudando de assunto) Esse aí também não gosta dos flashes...o Guri (Ieda faz os gatos posarem para fotos. Mas nada adiantou)! “ora, ora, ora...”... Ele não quer muita conversa. E o Amim sumiu... não aparece na foto de noite, de tão preto que é.

Quando termino a nossa conversa relacionada a voluntarismos e amor pelos animais, dona Ieda se despede de mim, vendo a Pepê, uma gatinha minúscula mãe de quatro gatos.

- “Oi Pepê, oi lindinha, tudo bem”??? Já tem criança com esse tamanho! Olha que coisa mais linda! Olha as patinhas... ela é muito pequeninha... Não tem mais do que um ano e já é mãe... ela vem sempre pedir comida. Hoje de manhã eu queimei o assado e ela já tava aqui miando.

Dona Ieda alimenta Pepê, às 21 horas, ela, enfim, entra para dentro de casa.