25.5.07

A escrava do tempo e seu adorador

Carlos Heitor Cony fala do processo de criação de crônicas


* Mais uma entrevista realizada e publicada apenas academicamente. Eis aí a conversa que aconteceu no dia 03 de maio de 2002, no Centro de Eventos da Universidade de Passo Fundo, durante evento do Curso de Letras da UPF.



Agora em 2007 ele completa 80 anos. Parou de escrever ficção em 1952 e voltou a romancear em 1985. No entanto, sua tarefa diária de escrever para jornais é contínua e ultrapassou as barreiras, inclusive, da Ditadura Militar. Carlos Heitor Cony, escritor e cronista da Folha de São Paulo, teceu livros sobre Jucelino Kubitcheck, um livro-reportagem relacionado à primeira visita do Papa João Paulo II ao Brasil e publicou, entre outras obras, “Pilatos”, um de seus livros de maior sucesso. Durante quase 30 anos dedicou-se exclusivamente ao jornalismo.

O menino Carlos Heitor, que era fã de Monteiro Lobato, ganhou o primeiro livro aos 8 anos. Ele diz que adora livros porque amou Monteiro Lobato. Afirma também, com sua voz calma e arrastada, que o gosto pela leitura vem da família. “Tem que começar a ler desde pequeno”, diz.

Para Cony, o livro tem que ter aparência de livro, não de revista. Nesta entrevista, Carlos Heitor Cony falou sobre literatura, jornalismo e crônica.


Como é o processo de criação de suas crônicas?
Na crônica não existe um processo de criação, porque é um gênero muito leve, e não é como um romance, um poema e um ensaio, que precisa de estudo e tem ritual. A crônica não tem ritual. Ou ela sai ou não sai. Ela é crônica no sentido de tempo. Cronus, em grego, significa tempo. A crônica é escrava do tempo.

Muitas vezes, quando o cronista vai para a máquina de escrever, agora o computador, ele nem sabe o que vai escrever. Mas sai. Isso porque o cronista cria uma disponibilidade para ficar com uma espécie de antena para receber as expressões do tempo, do cronus. Já o romance tem que curtir a história, penetrar nos personagens. Na crônica até uma mosca voando pode dar assunto.

No jornalismo, quando não se tem assunto num dia, é melhor. Não ter assunto é assunto. É aquele negócio: Você acorda, abre a janela, vê aquele dia bonito, é um assunto. Ou abre a janela e não vê nada, é outro assunto. Uma vez o Rubem Braga escreveu que abriu a janela e viu um homem nadando. É uma crônica. Agora, no outro dia ele não pode dizer que viu de novo um homem nadando. Aí não dá.

A crônica é fiel aos fatos reais?

Não necessariamente. A crônica comporta tudo. É como um gênero “ônibus”: entra todo mundo. Não é um carro onde só os donos e os convidados dos donos entram. A crônica entra e sai, como um ônibus. A função da crônica é justamente levar o leitor a um determinado ponto.


Qual o gênero literário que o você gosta de escrever?

O Romance. É o mais difícil, e mesmo assim tenho escrito bastante. Tenho 15 romances e mais de 5.000 crônicas. O romance é uma estiva, uma pedreira. E a crônica não. Por isso se escreve mais crônica. Num dia eu chego a escrever 4 ou 5 crônicas, e elas saem fácil. Com o Luis Fernando Verissimo é assim, o Rubem Fonseca e o Rubem Braga também, o Humberto de Campos e João do Rio. O Machado de Assis foi o primeiro cronista. Depois João do Rio. Na verdade o João do Rio era jornalista, fazia reportagens muito bem feitas e hoje é vendido como cronista. Eu considero o melhor cronista brasileiro o Humberto de Campos, que hoje está completamente esquecido; porque ficou faltando na obra do Campos um romance, uma obra não subordinada ao tempo. Quando o Humberto de Campos morreu, em 1935, eu era criança, e o comércio do Rio de Janeiro fechou as portas. Era luto nacional que ninguém decretou. Isso porque todo mundo lia Humberto de Campos. Ele morreu cedo, com 45 anos, numa operação. Foi uma comoção. Ninguém chegou a popularidade de Humberto de Campos, nem mesmo João do Rio, nem Machado de Assis, nem Rubem Braga. Agora hoje ele é esquecido porque o tempo dele passou, os temas e a forma de ele escrever passaram. A melhor crônica dele chama-se “um amigo de infância”. É a mais bonita da literatura brasileira.

A crônica é um gênero que pertence ao mesmo tempo ao jornalismo e a literatura. Mas tem um tempo. E o romance supera o tempo. A maior alegria para um romancista é, depois de morto, continuar sendo reeditado. E para o cronista quanto mais dentro do tempo conseguir ficar, melhor.


Como você vê o jornalismo hoje?

O Jornalismo, com todos os defeitos de percurso que tem, é muito positivo, porque tem um papel importante na história do Brasil. Não se pode esquecer do Correio Braziliense, o do Hipólito José da Costa, com a sua função na Independência, a República, a abolição e todos os movimentos de participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial, a queda do Fascismo...

E agora recentemente o jornalismo tomou uma decisão com relação ao Collor. Isto analisando o jornalismo de forma Macro, que sempre acompanha o tempo. No micro o jornalismo é sórdido. Os jornais se profissionalizaram como empresas, e eles vivem com o positivo, não no vermelho. O jornal está comercial, mas no fundo é uma empresa. Antes o jornal era uma coisa romântica. Você fazia o jornal pra defender suas idéias.

Mas as empresas jornalísticas hoje tem uma preocupação muito grande com os serviços, é mais social do que antes. Antigamente o jornal era só opinião. O primeiro jornal do Chateaubriand foi para defender o Faquar, que era um estrangeiro que veio para explorar a Amazônia. O jornal não tinha noticiário nenhum (o do Chatô). A guerra corria feia na Europa e ele não davam notícia nenhuma, só defendia a situação dele.


Quais são os seus expoentes na literatura?

Machado de Assis é o único. Já gostei dos livros Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, e depois que fiz 60 anos passei a gostar de Quincas Borba. É uma questão de amadurecimento. Para mim o Quincas Borba é o suprassumus da inteligência humana, e da criação humanística dos livros brasileiros.



Reprodução da foto de Claudio Tavares

Um comentário:

Anônimo disse...

Gosto muito dos textos do cony. Muito legal a entrevista!
MS