21.5.07

Um correspondente marcado pela guerra

José Hamilton Ribeiro, o jornalista que cobriu a Guerra do Vietnã, conta alguns detalhes de sua interminável história


Um ícone do jornalismo mundial esteve em Passo Fundo em 2002. Eu era estudante do segundo ano de jornalismo e mais uma vez fiz uma entrevista que permaneceu guardada por anos. Exatamente cinco anos. Agora chegou a vez de, enfim, publicá-la.. José Hamilton Ribeiro, hoje com 72 anos, gravou em Passo Fundo um Globo Rural para a TV Globo, sobre ovinocultura de corte.

Zé Hamilton, como é chamado pelos amigos, é paulista da cidade de Santa Rosa do Viterbo. Aos 20 anos a guerra marcou sua vida. Participou da Guerra do Vietnã como correspondente, e perdeu uma perna, atingida por uma mina. Dessa experiência nasceu a grande-reportagem “Eu estive na Guerra”, publicada no livro das 100 maiores reportagens do século. Ano passado Zé Hamilton contou essa mesma história no livro “O gosto da Guerra”, publicada pela coleção “Jornalismo de Guerra” da Editora Objetiva. Com esse livro o autor recebeu o prêmio internacional Maria Moors Cabot de 2006, o mais antigo prêmio concedido aos jornalistas dos Estados Unidos e da América Latina cujo trabalho incita a liberdade de imprensa.

Jeito simples e simpático, o jornalista circulou pelos campos do Planalto Médio, conversou com a população, tirou fotos com admiradores e, mesmo sujo de sangue, em razão de um acidente de trabalho, atendeu à imprensa local. Eis a entrevista concedida pelo maior jornalista em atividade do Brasil, José Hamilton Ribeiro.


P- O que você veio fazer em Passo Fundo?

R- O Globo Rural veio para Passo Fundo fazer uma reportagem sobre cordeiro de corte. Isso porque em São Paulo, e no Brasil todo, está aumentando a procura por carne de cordeiro. Aí se lembra do Rio Grande do Sul. Mas a parte mais sul do estado é voltado para o carneiro de lã, então teria que ser uma parte do Rio Grande do Sul que não fosse da região dos pampas, e sim do norte. Então pesquisamos daqui e dali e descobrimos que a Universidade de Passo Fundo, na faculdade de Agronomia e Veterinária, tem um projeto de ovinocultura de corte e nós viemos aqui. Essa foi a primeira razão. A outra é porque Passo Fundo, esse ano, vai ficar muito importante para o Brasil, porque é a terra do Felipão (risos. Época da Copa da Alemanha, em que o Brasil foi o campeão).


P- O que o mantém por mais de 20 anos no Globo Rural?

R- É um bom lugar para se trabalhar, porque há a possibilidade de fazer reportagens longas, de contar uma história, sabe... e ter uma linguagem coloquial. É um programa voltado para o espectador simples, não é perseguido pelo stress do IBOPE, você não é obrigado a lutar por ele. É um programa claro, comprometido com o interesse do pequeno agricultor, do homem da terra, enfim, do homem da raiz do Brasil.

P- Você participou da Guerra do Vietnã como repórter. Como foi esta experiência?

R- O Brasil não tem história, não tem currículo, nem tradição de correspondente de guerra. Para ter correspondente de guerra é preciso duas coisas: jornalismo e guerra. O Brasil não tem guerra. Nós tivemos uma guerra, contra o Paraguai, mas junto Brasil, Argentina e Uruguai. Foi um massacre. A nossa participação na Segunda Guerra Mundial foi heróica, porém simbólica. Então o Brasil não tem tradição de guerra. E o Brasil não tem tanto jornalismo assim. Mas nos Estados Unidos e na Europa o correspondente de Guerra, correspondente internacional, vem a ser uma carreira que o jornalista faz na redação. Ele entra como repórter de cidade, depois passa a ser regional, nacional e se transforma num correspondente internacional. Então se vê que um correspondente de guerra, ao nível da experiência mundial, é um profissional experimentado, que não é uma criança atrás dum brinquedo. Ele tem consciência do que está fazendo, da sua responsabilidade, inclusive do risco.

Cada profissão tem sua taxa de risco. Um médico, um dentista, um engenheiro têm taxa de risco. E na taxa de risco de um jornalista, especialmente do jornalista de guerra, há também um componente que a pessoa se conscientize dele quando há algo desse tipo.

P- Como correspondente de guerra, qual o ato mais repugnante e o mais nobre que você viu na guerra?

R- A guerra é o momento que você pega a humanidade em flagrante. Na guerra tem momentos de repugnância e momentos de heroísmo, altruísmo e solidariedade. Você vê um ajudando o outro. Os colegas jornalistas sem dúvida. Mas mesmo os combatentes, entre os guerreiros. Você vê solidariedade, às vezes, até com o inimigo. A Guerra é uma parte da vida humana. Nós herdamos isso dos primatas. Tem muita guerra entre família e espécies, e isso é próprio do homem. A humanidade nunca passou um momento sem guerra, e nem sei se vai passar. É um sonho quimérico se trabalhar com a paz. Vemos Israel e o Oriente Médio, é uma porção do mundo com um poço de sabedoria, onde nasceram três religiões importante; é a terra de Maomé, Jesus Cristo, e no entanto, aquilo está em permanente guerra! Então, a guerra tem o lado cruel e sangrento, mas tem também o lado heróico e humano.

P- Você foi presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico. O que mais o atrai nessa área?

R- Jornalismo científico é uma especialidade, é um setor do grande jornal, da TV, da revista, é importante também do ponto de vista do país. Eu tenho conhecimento de uma pesquisa que revela que os Estados Unidos, o país líder da pesquisa científica no mundo, que detêm 85% dos prêmios Nobel do mundo, e onde a pesquisa científica é muito valorizada pela população, acha bom que o governo destine grandes massas de dinheiro para pesquisa científica. E um dos fatores que levam a isso é porque o jornalismo americano tem um bom jornalismo científico, e o povo gosta de ler jornalismo científico para entender como a ciência está caminhando e o conhecimento humano está avançando. O jornalismo científico bem feito é um fator de venda de jornais, tanto que existem revistas no mundo inteiro que se apóiam no jornalismo científico e algumas estão sobrevivendo com mais de um século.

P- O livro “A greve das garças do Pantanal”, foi um livro escrito por você, com os pássaros fazendo uma greve para preservar o Pantanal. Esse livro foi escrito para conscientizar as pessoas?

R- Esse livro não está impresso. Ele está escrito mas ainda não está publicado. Chama-se “A greve das garças do Pantanal”. É um libelo contra a destruição que está se fazendo no Pantanal, com a contaminação química, a super-pesca que está destruindo os rios, o desmatamento, e a falta de visão dos governos locais e do governo nacional em relação ao Pantanal. O Brasil não se dá conta que tem um tesouro, uma jóia do planeta terra, e que não cuida dessa jóia. O Brasil não merece ter o Pantanal, como parece não merecer a Amazônia. O livro é uma prosopopéia, um texto literário em que os animais falam, e a coisa vai ficando tão ruim para a vida dos pássaros, que eles resolvem fazer uma greve no sentido de não se reproduzirem mais. Eles dizem assim: “ou o Brasil muda, ou nós vamos mudar para o Paraguai”.

P- Como jornalista, você fundou a Quatro Rodas e trabalhou na revista Realidade e na Folha de São Paulo. Atualmente trabalha na TV Globo. Você prefere qual meio de comunicação?

R- Tenho mais afinidade com a imprensa escrita. Tenho dificuldade com a TV.

P- Gostaria de voltar a escrever em jornal?

R- Eu tenho a sensação que um dia voltarei para a imprensa escrita.

P- Os meios de comunicação de hoje informam como deveriam?

R- Não. Absolutamente não. No Brasil, o melhor programa jornalístico que existe é a Voz do Brasil.

P- Você ainda acredita na coerência da imprensa?

R- Não há nenhuma coerência na Imprensa.

P- Esse é um ano eleitoral no Brasil (em 2002). Se não há nenhuma coerência na imprensa, como você acredita que será a campanha Presidencial vista pela imprensa?

R- No Brasil existe uma lei importantíssima, que é a Propaganda Eleitoral Gratuita. Talvez seja a lei mais importante do país, porque é aquela que permite que um partido pequeno, de doutrina exótica, retardada e retrógrada, tenha direito de expor suas idéias na televisão e no rádio durante o período em que isso é garantido. É uma lei maravilhosa, mas está sendo torpedeada em São Paulo. Tem gente querendo acabar com o Horário Eleitoral Gratuito. Um defensor dessa lei é o senador gaúcho Pedro Simon (PMDB). Mas ele tem consciência que existe, no meio empresarial, principalmente, um movimento para acabar com a Lei do Horário Eleitoral Gratuito, que é uma das coisas mais democráticas que o Brasil tem.


Fotos: Claudio Tavares

2 comentários:

Jean Scharlau disse...

Pô,pena que a entrevista foi curta. deixo o endereço de umvídeo com outro Jornalista que esteve na guerra do vietnam.
http://www.youtube.com/watch?v=3N3gsNOlGZw

Roberta Scheibe disse...

É verdade. É uma pena mesmo que as vezes os caras tem pouco tempo disponível para conversar com a gente né. Uma boa entrevista leva de duas horas pra cima. hehe