31.10.06

Reportagem: “Ele não é um João, ou um José, ou um Artur. Ele é o Adriano”!

Terça-feira, dia 17 de outubro, Passo Fundo. A movimentação começava cedo para o fórum de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. No local, na frente das portas faraônicas da justiça brasileira, uma turma de jornalismo, acompanhada do professor, esperava a abertura do complexo. As ruas da frente estavam com segurança máxima. Uma espécie de carro da Susepe já estava parado na porta do fórum. E Adriano da Silva, o acusado da morte de 08 crianças na região de Passo Fundo, já estava lá dentro, esperando o seu terceiro julgamento.

Neste dia, em que juiz, promotor e defensor público se escondiam em ternos, o calor parecia ser sufocante. Consegui entrar no fórum sem problemas. Sem barreiras, sem nada. Eu e Fabiana Beltrami fomos fazer a cobertura para a Beterraba Filmes e, também, para os Armênios. Às 9 horas da manhã iniciaria o Júri de Adriano pela morte do menino Leonardo Dornelles, o Kiko. Em duas oportunidades anteriores, Adriano já foi julgado e condenado pela morte de dois meninos: Alessandro Silveira, de 13 anos, e Júnior Reis Loureiro, de 10 anos. Para os dois, Adriano da Silva pegou a pena máxima brasileira. No primeiro Júri, realizado no dia 15 de agosto deste ano, pelo assassinato de Alessandro, o acusado foi condenado a 19 anos e seis meses por homicídio duplamente qualificado e um ano e 11 meses por ocultar o cadáver do engraxate, encontrado seis meses depois do crime. E no dia 25 de setembro, Adriano foi condenado a 29 anos de prisão pela morte do menino caigangue Júnior Reis Loureiro, que foi estrangulado. Adriano, no início das acusações, foi incriminado também pela morte de mais quatro meninos, no entanto, estes assassinatos foram desclassificados de suas ações.

Já nos nossos primeiros passos dentro do fórum, eu e a Fabi encontramos o avô do menino Leonardo Dornelles, seu Gideon Dornelles. Seu Gideon, um homem simples, vestido de camiseta e boné vermelhos, fez-me alguns comentários. Disse achar difícil aquela ossada ser do seu neto. Seu Gideon tira de dentro de um caderno uma imagem que me abalou. Eu não esperava ver, daquele jeito, naquela hora, uma ossada límpida, brilhosa, amarelada. Uma ossada que seu Gideon dizia não ser de seu neto. “Uma ossada de 45 dias não é assim”, disse-me ele. O avô do menino estava triste. Ele queria ser testemunha. No entanto, o júri foi proclamado sem nenhuma testemunha. Seu Gideon assistiu a uma parte do júri. Depois não o vi mais.

Enquanto seu Gideon permanecia sentado, com os olhos cheios de lágrimas, aquele olhar fundo e triste, uma espécie de “olhar envelhecido”, fui apresentada a avó de Alessandro, assassinado em 09 de março de 2003, crime pelo qual Adriano já foi julgado. A avó do menino me deu um abraço, dois beijos e já tirou da bolsa a imagem de um menino moreno, cabelo raspadinho e sorridente. “Esse era o meu neto”. Enquanto ela falava comigo, de repente, do nada, a senhora olhou pra lado, gemeu, e tapou os olhos. Ouvi muitos barulhos. Um corre-corre. Virei-me para ver o que era. E lá vinha Adriano da Silva. Cabelo raspado, cavanhaque. Bem acima de seu peso de outros tempos. Quieto, cabeça baixa. Calça jeans e camiseta cinza. Não sei dizer quantos policiais da Brigada Militar o escoltavam. Ele entrou rapidamente por uma porta lateral. Neste momento, a polícia deixou que a imprensa entrasse no salão do júri.

A Fabiana foi instalar a câmera no tripé. E eu sentei e já puxei meu caderno para anotar tudo. Quando olhei pra frente, pra minha surpresa, Adriano já estava sentado, e ninguém, ainda, havia percebido. Assim que os “espectadores” entraram, o júri pelo assassinato de Leonardo Dornelles iniciou.









O acusado

Adriano me impressionou pela calma. Enquanto não o chamaram, ele permaneceu sentado, de cabeça baixa, entre dois membros da Susepe. Quando foi chamado para interrogatório, sentou bem em frente ao Juiz Francisco Sebastião da Rosa Marinho. Questionado pelo escrivão, Adriano começou a falar, com voz baixa e tímida:

- Nome completo!

- Adriano da Silva.

- Profissão!

- Serviços gerais.

- Idade!

- 28.

Adriano seguiu falando o nome dos pais, e sobre as suas raízes no Paraná. Saiu de casa com 23 anos. Tem três irmãos, um deles mais novo do que ele. É acusado por matar Leonardo Dornelles dos Santos por asfixia, no dia 31 de outubro de 2003.

Após os dados questionados pelo escrivão, o juiz, de fisionomia séria, cabelos brancos e óculos pelo nariz diz:

- Eu irei lhe fazer algumas perguntas e o senhor será obrigado a responder e será obrigado a dizer a verdade sobre o que foi perguntado. O senhor tem algum encargo de família? Tem mulher ou filhos?

- Não.

- Nunca teve companheira?

- Já tive, mas nunca fixa.

- Como?

- Já tive, mas fixa nunca.

Adriano seguiu respondendo questões sobre a sua vida e sua família. O juiz continuou, questionando Adriano e, ao mesmo tempo, lendo algumas informações dos Autos do processo:

- O senhor está sendo acusado por dois fatos: O primeiro, no dia 31 de outubro de 2003, por volta de 22 horas, nas margens da entrada do capinzal, em Passo Fundo, Adriano da Silva matou Leonardo Dornelles dos Santos.[...] Adriano encontrou a vítima no estabelecimento New Game, conhecida como sorveteria e fliperama do Jair [...] no bairro Santa Marta [...] onde o senhor aplicou um golpe marcial, asfixiando com as mãos, para que ele perdesse os sentidos, e depois, envolveu uma corda no pescoço da vítima, e pressionou essa corda até matá-lo. Tem mais fatos que eu quero perguntar ao senhor. Mas sobre este aqui, é verdadeiro?

- É falso.

(silêncio) Uma mulher, possivelmente a mãe de Leonardo, vestida de jaqueta cor de rosa, chora.

- Onde o senhor estava neste dia 31 de outubro de 2003?

Adriano segue contando, no seu jeito pacato, que neste dia estava passeando pelo bairro onde morava. Ele residia no Bairro Santa Marta e morava com duas amigas. Ao ser interrogado se havia conhecido Leonardo, Adriano disse que sim, que o havia encontrado no mesmo fliperama. Ele não lembrava direito o dia, nem a hora. Adriano da Silva contou que falou com o menino. Ele teria dito que perdeu o ônibus para ia à igreja onde estavam seus familiares. Adriano argumentou que teria acompanhado o menino até um galpão, perto da casa dele (onde o corpo de Leonardo foi encontrado). E que depois foi embora. A pé.

De supetão, o juiz Sebastião pergunta:

- O senhor não matou esta criança?

- Nãaao! (aquele ‘não’ de uma expressão de impossibilidade! Num tom de quem diz ‘nunca’! ‘jamais’!).

- Há alguma outra criança que o senhor tenha encontrado no fliperama e que o senhor matou?

- Não...

O juiz repete a pergunta, e Adriano nega novamente.

As perguntas continuam e o acusado reitera que não matou o menino. Neste momento o juiz pede se lá em Lagoa Vermelha ele foi obrigado a dizer o que não quis (porque lá Adriano confessou todos os crimes que, nos outros júris, ele negou). Adriano disse que estava sendo ameaçado, e que não pode dizer nomes porque teme represálias contra a família. Falou ainda que em Lagoa Vermelha foi obrigado a dizer o que não quis.

Adriano fica encolhido o tempo inteiro. Não se mexe. Apenas responde o que lhe foi perguntado. Os sete jurados, todos homens - com exceção de dois, todos são de meia idade - escutam atentos o acusado. Só eles têm direito a água e café. Adriano continua dando detalhes de como acompanhou o menino. E, então, a conversa muda de figura:

- O senhor já matou alguma criança?

- Sim.

- Quantas crianças o senhor matou?

- A de Sananduva.

Adriano afirma que matou apenas uma criança na cidade de Sananduva. E, depois disso, falou que encontrou 2 ou 3 crianças mortas em Passo Fundo. Confirmou ter ficado sabendo dos nomes das crianças quando leu pelo jornal. Enquanto Adriano falava, os guardas do acusado conversavam normalmente e até davam risadas, de um papo alheio ao que todos nós estávamos assistindo. Depois das informações sobre os corpos que encontrou, o juiz pede:

- O senhor manteve algum ato sexual com essas crianças mortas?

(silêncio)

- Nada a declarar.

Mais tarde, Adriano diz que o próprio avô de Leonardo disse que não foi ele quem matou o menino. Questionado pelo promotor público, Adriano da Silva também nega ter matado Alessandro e Júnior, crimes pelos quais já foi julgado.

Depois do depoimento de Adriano, que disse muitas outras coisas a mais, o juiz dá uns minutinhos de intervalo.


O promotor

Álvaro Poglia inicia a sua fala às 10h30 minutos. Cada lado tem duas horas para falar. Poglia, após elogiar ininterruptamente Artur Costa, o defensor público de Adriano, inicia a acusação. Enquanto a promotoria fala, a defesa cochicha. Artur Costa faz comentários com uma colega sorridente, professora de Direito da Universidade de Cruz Alta. Nesta hora, e somente nesta hora, Adriano da Silva se recosta no banco e olha para frente.

A promotoria alega que, se Adriano da Silva tivesse sido preso na hora certa, teriam poupado a vida do menino de Sananduva. Poglia passa boa parte de sua argumentação mostrando os Autos do Processo para os jurados. Álvaro Poglia levou calhamaços dos Autos com cópias para TODOS os jurados. E leu. Leu a descrição das mortes e reiterou que o acusado não deveria ser absolvido. O promotor sustentou por duas horas a condenação de Adriano. Enquanto o promotor criticava, o defensor público saiu (talvez para tomar um café). A colega do defensor toma um comprimido, limpa os cantos da boca com os dedos, e faz uma expressão, pela primeira vez, mais séria. O Promotor continua dizendo, com base nos autos do processo, que Adriano se emociona ao falar da mãe e que “sonha direto com as crianças”. De acordo com a leitura, o promotor repetiu o que estava escrito, que Adriano teria afirmado “ouvir vozes” e, também, que “estava viciado em matar”. Num determinado momento, o promotor disse que este crime do Leonardo não tinha prova a não ser a confissão do réu, ao passo que o promotor público intrometeu-se na fala e disse:

- E se ele não confessar não tem nenhuma!


O defensor

Artur Costa é um homem seguro de si. Terno azul marinho, sapato lustroso e um sorriso de canto a canto da boca. Conversou com jornalistas e com as pessoas que assistiam ao júri. Costa interrompeu uma vez o juiz e uma vez o promotor. À tarde, à partir de 13h58 minutos, ele iniciou a sua fala, que iria durar 2 horas, se não fosse a queda de pressão de um dos jurados.

Costa é um “artista do direito”. Conseguiu manter a atenção de todas as pessoas que ainda assistiam ao júri. Ele disse estar defendendo Adriano porque ele acreditava na Constituição de que todo mundo tem direito a defesa. Costa falou dos custos de manter um defensor público, dirigiu-se aos estudantes de jornalismo que estavam assistindo, decorou os nomes dos jurados e os intimava no meio de seu discurso.

Artur Costa ia de um lado para o outro do plenário. Preenchia o lugar e caminhava por todos os lados. A esta altura eu estava no “comando da câmera” da Beterraba Filmes. E minha inexperiência não me deixava fazer um close em Costa, tamanha era a sua desenvoltura.

O defensor público oscilava entre falas entusiasmadas e sussurros. Era bonachão, homenageava colegas e amigas e falava dos problemas sociais brasileiros.

- Quem tá sentado ali é o Adriano. Se vocês julgassem, pensando que é um homem que tá ali, só! Seriam obrigados a absolver.[...] Se já no primeiro júri tivesse sentado ali um João, um José, um Artur que seja, [...] e não um Adriano, que os senhores já condenaram, que a população já condenou...[...] como é que vocês vão chegar em casa e as suas mulheres vão dizer: “você absolveu um monstro”!!! Monstro, chacal, verme! [...] Os amigos vão lhe cobrar “por que você absolveu”?[...] Todo mundo já sabe que ele vai ser condenado! Ele já sabe que vai ser condenado! (gritando). Eu tenho tesão pra vir trabalhar? Por que? Porque ninguém vai colocar a cara exposta. Ou como diria o Chico Buarque, “ninguém deixa a bunda na janela pra todos tocarem a mão nela”.

No alto dos 44 minutos de fala, Costa teve sua apresentação interrompida, pra lástima de muitos. Um dos jurados, um senhor que aparentava 60 e poucos anos, sentiu-se mal. Artur parou de falar e quis ajudar o jurado. O juiz Sebastião parou o tempo em que corria o juri. Foi chamada a Samur e o jurado não tinha mais condições de prosseguir.


O fim

Todos os jurados se retiraram e o juiz deu um intervalo. Cinco ou dez minutos depois todos os jurados voltaram, com exceção do homem que passou mal. Então, Francisco Sebastião da Rosa Marinho disse não poder colocar em risco a saúde de um jurado. Disse que o júri estava destituído e que um novo teria que ser marcado, com novos jurados e todos os procedimentos realizados novamente. Este não valeu nada. “Estamos dissolvendo o conselho e informo aos senhores que nós vamos realizar um novo julgamento [...], que começará tudo de novo [...]. Esse serviço que foi feito até esse momento deverá ser esquecido e recomeçado do zero. Vamos ter que sortear um novo conselho de sentença e inclusive não poderão fazer parte as pessoas que instituíram o atual conselho”.

Enquanto as pessoas saiam, Adriano foi levado calmamente a uma salinha. Deu entrevista coletiva e em nenhum momento mudou a sua expressão de calma e certeza. Ele volta a Passo Fundo no dia 14 de novembro, para o julgamento de Luciano Rodrigues.

3 comentários:

Anônimo disse...

ótimo texto Roberta! Gostei muito, mesmo!

Anônimo disse...

Esse defensor é um puta orador!

Anônimo disse...

muuuuuuuuuuuuito maaaasssa!