4.9.07

Cinema em casa
(é daí que surgem as fofocas)

Uma mulher briga com um cara. Ela está num porão. Ele parado em frente ao porão, segurando uma bicicleta. A irmã da mulher tenta acalmar os dois. Segura um de cada lado, em vão. As crianças choram! Elas espiam o acontecido por meio da janela da parte de cima da casa. O homem suplica para “voltar”. Ele permanece parado em frente ao porão, junto à bicicleta, sua fiel escudeira; acompanhado de uma mala, que permanece jogada na grama. De repente, a mulher se vira, olha para o prédio em frente, e grita:
- Virou atração do centro agora!?!? Vão dormir!
E eu era uma das duas pessoas xingadas pela mulher.
O fato aconteceu e juro de pés juntos que é verdade. Comecemos do princípio, para reinar a redundância (afinal, o mundo é feito delas)...
Estava eu no vizinho, assistindo ao novo filme do Wim Wenders, Estrela Solitária. De repente, olho pro vizinho e digo:
- Escuta só, tem alguém discutindo.

Então ouvimos um barulho de algo sendo atirado ao chão, tipo uma panela; seguido dos gritos de “sai daqui!!!”, com muita fúria. Aquele “Sai daqui!!!” de voz aguda e penetrante. Corremos para a janela. Vimos uma mulher com os cabelos alardeados pelo fogo do momento. Em resumo: estavam um tufo. A casa onde ela fazia o espetáculo tem dois pisos. Em cima sala e quartos, embaixo porão. E ela estava no porão (um porão equipado). O cara que ela xingava permanecia calmamente levando tapas parado ao lado de sua bicicleta. Mais chaleiras voaram. Então o homem pegou a bicicleta e foi embora. A mulher continuou xingando. Foi então que nos viu na janela e proferiu o xixi.

- Virou atração do centro agora!?!? Vão dormir!
Meu vizinho largou num sussurro:
- Mas como, com esse barulho?

Nossa curiosidade foi maior do que a discrição permite. Desligamos as luzes da casa e fomos espiar por uma outra janelinha. A mulher empurrava os filhos para dentro de casa:

- Entrem! Entrem!

- Não mãe! Quero ficar aqui! – dizia um gurizinho de uns quatro anos.

- Já falei pra entrar!

Os filhos entraram. Não havia a menor possibilidade de conversar com a mulher. Os pais dela limitavam-se a dar uma espiada na janela. E ela lá embaixo, feito uma onça! Gritava, jogava coisas, bufava. Se fosse desenho animado sairia fumaça e poeirinha do porão. Dali uns minutos volta o cara de bicicleta. A mulher se esconde. Descompõe o cara permanecendo escondida.
Ele, pacientemente, pega a mala e senta em cima dela. E espera. Como ela não abre, ele guardou a bicicleta na escuridão, camuflou a mala atrás de uma árvore-capim e deitou ali. Fez da mala seu travesseiro. Já fiquei com pena do cara, apesar de que todos os indícios mostravam que ele era o cafajeste da história.

O show aparentemente havia terminado. Voltamos ao filme. A cada pouco se ouvia um grunhido da mulher. Fui pra casa. Ao deitar, escutei ela:
- Não vai ir embora?
Deu mais umas bufadinhas e caiu no cansaço. Eu também. No outro dia, quando acordei, olhei para a casa. Ela estava silenciosa. A mãe da mulher lavava a calçada quieta. As crianças não brincavam na rua como todos os dias. Uma mulher – a irmã, que tentava apartar os briguentos – estava murcha, sentada a um canto olhando para o nada. De tarde, ao sair de casa, passei pela frente do porão (é o meu caminho diário). Vi que as coisas voltavam a se arrumar por ali. Fiquei com medo de encontrar a mulher brava, mas, ainda bem, ela não estava ali. Talvez estivesse no quarto, remoendo o espetáculo e o amor. E eu a espiada.

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