17.4.07

“Criatividade é o que me interessa”!

Leandro Dóro é como o gato do meu vizinho que se chama Iggy Pop: Simpático, gente boa e esperto. Sabe por que? Porque o cara é novo e já fez um “caminhão” de coisas. Chargista, cartunista, jornalista, já trabalhou em vários meios de comunicação. Como se não bastasse, mantém o blog http://leandrodoro.zip.net/, escreve contos e tem várias publicações, como o livro em conjunto “Edição de Risco” (Indicado ao prêmio Troféu HQMix 2007 , na categoria Humor Gráfico: "Publicação de charges e cartuns/cartoons") e a obra “A revolta dos Motoqueiros”. Dóro é um chargista e jornalista “lúcido”, que consegue falar do seu trabalho e também do alheio. Alia a teoria com a prática e não consegue controlar o negócio mais legal do mundo chamado “criatividade”.

Leandro Dóro, passofundense que mora em Porto Alegre, esteve na terra de Tarso de Castro no dia 04 de abril para mostrar seus desenhos e também para ministrar uma oficina. Leia abaixo a entrevista informal realizada com o multifacetado nos banquinhos de uma sala de aula, sob o olhar atento da mulher Betina e de alguns espectadores sentados nos bancos ao lado.

Como que tu começaste com essas idéias de desenhar, fazer cartoon, charge, que idade que tu tinhas quando começou?
Eu comecei trabalhando com desenho depois de uma cirurgia que eu fiz aos 10 anos de idade.
Uma série de cirurgias que me colocavam quatro meses por ano em casa. E eu comecei a desenhar através disso, porque eu lia muitas histórias em quadrinhos e muita literatura popular, coleção Vaga-Lume, quadrinhos Disney, enfim, o universo de cultura pop que seria comum pra época da minha infância e pré-adolescência. Depois disso eu comecei a desenvolver esse trabalho, dedicando umas 3, 4 horas por dia pro desenho. Mais tarde, passado o período da cirurgia, aos 16 anos, eu conheci alguns cartunistas e acabei tendo interesse pelo assunto. E aos 17 anos eu tive a oportunidade de trabalhar, logo após o “Fora Collor”, de 92, no jornal O Nacional, onde eu fiquei até os meus 21 anos. Lá eu era editor de um caderno infantil, fazia uma charge diária e eventualmente ilustrações. De vez em quando alguns projetos de tiras que, comercialmente, na negociação interna, não eram bem negociados. Após eu trabalhei junto a Universidade de Passo Fundo, no Museu Histórico Regional e no Museu de Artes Visuais Ruth Schneider. E, logo em seguida, no Diário da Manhã, como jornalista e desenvolvendo um projeto paralelo como cartunista. Com o tempo eu fui tentando resolver esse binômio, que na minha cabeça era um pouco difícil de dissociar, que é o desenho e a literatura. São as duas coisas que eu não consigo deixar de conviver; uma tem que ser paralelo a outra.

Tu defendes a implantação de disciplinas de desenho (ilustração, charge e caricatura) nas universidades de Jornalismo, postura que eu também defendo e acho importantíssimo. Qual o valor que tu atribuis ao desenho dentro do jornalismo?
A linguagem visual é importante pra compreensão do texto. A partir do momento em que tu utilizas como ferramentas o título e o subtítulo, o lead, a linha de apoio e a ilustração, tu consegues executar um conjunto que é de fácil compreensão e de fácil interpretação. E em especial a charge, como piada do dia, e o cartoon como sendo um humor atemporal, ele acaba te oferecendo uma rápida interpretação do texto que normalmente tu precisarias de um texto de 20 linhas ou 1.200 caracteres para ter a mesma compreensão. Da mesma forma a ilustração, que facilita a leitura e, dependendo do ilustrador, colabora com o pensamento abstrato. Qual o problema básico que nós temos? As universidades brasileiras privilegiam em especial o texto ao invés da imagem, fazendo com que o nosso raciocínio seja cada vez mais abstrato. Isso foi a defesa de uma tese de doutorado agora na USP, onde esse pensamento visual acaba sendo eliminado. E o pensamento visual aliado ao pensamento abstrato gera criatividade. E essa criatividade é o que me interessa! Ao mesmo tempo o interesse de – se for perguntar agora qual o interesse de criar essa cadeira – ela surgiu ano passado, em 2006, com uma discussão que houve junto a FENAJ – Federação Nacional dos Jornais, através do secretário geral (Celso Augusto) Schröeder, junto ao meu grupo de discussão que é “Grafias Sociais do Rio Grande do Sul”. O Sindicato dos Jornalistas defendeu que ilustradores deveriam ser formados em jornalismo. O que deu uma gritaria geral, porque o cartunista, ilustrador, enfim, ele tem as mais diversas origens: artes plásticas, autodidata, arquitetura, jornalismo, publicidade, enfim, existe uma gama de tarefas. Só que ao mesmo tempo esse pensamento abstrato faz com que eles não valorizem a ilustração. E por uma questão óbvia dá pra se compreender o seguinte: dos 300 anos de história da imprensa que nós temos... da ‘Imprensa’ de Gutenberg, já, digamos assim, tornada corriqueira, e nos 200 anos de imprensa do Brasil, de 1808 pra cá, nessa maior parte do tempo ainda a ilustração foi o uso principal. A popularização da fotografia só se deu do início do século 20 em diante. Então por que nós temos dois, três semestres de fotografia, e não temos um semestre de artes gráficas, ilustração, charge, cartoon? Compreender esse setor, não pra formar um cartunista dentro dos cursos de Comunicação e Designer – porque Designer deveria ser considerado um dos cursos relevantes da Comunicação Social, mas isso é uma outra discussão – mas porque isso dá um conhecimento visual e de como utilizar esse universo e essa gama que é a linguagem visual.

As histórias em quadrinhos se consolidam em uma das maiores manifestações populares. Por que tem muitos cartunistas que ainda não são valorizados financeiramente?
A maioria dos cartunistas tem valorização. Principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro. Só que em geral a valorização dessa área está relegada às grandes capitais. No interior é muito mais difícil, por isso eu valorizo muito quando surgem experiências satisfatórias no interior do estado, como o André Macedo em Pelotas, que faz um trabalho de animação muito interessante; em Santa Maria existem professores da Universidade Federal que mantêm o projeto “Santa Maria cheia de graça”, onde eles conseguem juntar cartunistas da região; em Rio Grande tem o Wagner Passos que faz um festival de humor anual...são pessoas que trabalham pelo cartoon e pelo humor. Quem sobrevive disso? Em Porto Alegre existem várias agências, tem a “Animatoons”, tem a “Cartunaria”, são grupos que vivem do cartoon, do humor e no geral eles trabalham para Assessorias de imprensa e para emissoras de TV, ou então prestam serviços para jornais e revistas. É uma gama de serviços que tu acabas prestando para iniciativa privada. Muitos sobrevivem disso, muitos prosperam com isso. Um dos últimos que teve uma alta prosperidade foi o André Lieves, que é um argentino e trabalhou em Porto Alegre, com um projeto onde ele reunia vários desenhistas novos. Ele formou todos eles e agora trabalha no Rio de Janeiro. Enfim, existe um mercado, existe um espaço, existe algo a ser cultivado. O que precisa é ter uma maior compreensão de como utilizar isso. Porque cada país tem a sua cultura visual diferente. Se tu fores ver a formação das histórias em quadrinhos, existem velocidades e atitudes diferentes sendo tomadas. Nos Estados Unidos, no Japão, na Europa e nos diversos países europeus existe uma maneira diferente de executar o mesmo trabalho. No Brasil a nossa cultura, como eu falei, ela é muito abstrata. Ela ainda não sabe valorizar a imagem da ilustração, do cartoon e da charge como sendo um instrumento comunicativo. Isso tem mudado nos últimos anos porque existe uma revalorização das histórias em quadrinhos devido a entrada delas nas livrarias.

Qual a tua opinião sobre as histórias em quadrinhos autobiográficas? Como por exemplo MAUS (Art Spigelmann) e PERSÉPOLIS (Marjane Satrapi)?
Muitos projetos são autobiográficos. As histórias em quadrinhos para adultos geralmente são autobiográficas, assim como a literatura é, em certo sentido, autobiográfica. É difícil fugir da autobiografia quando se trata de um tema humano complexo. No caso do Maus ele pega a questão judaica durante a Segunda Guerra Mundial, e Persépolis a questão da mulher iraniana. Em ambos os casos a autobiografia se torna essencial para compreender o universo onde ela (a história) está calcada. E os instrumentos narrativos que ela acaba utilizando explicam não só o momento histórico que a história está inserida, mas também a situação política, econômica. No entanto esse universo pode ser contado de uma maneira diferente. Não precisa ser de maneira autobiográfica. Vou utilizar como exemplo a literatura: “Os três Mosqueteiros”, de Alexandre Dumas. Ele compõe o universo dos personagens que narram o absolutismo. Uma das últimas etapas da consolidação do absolutismo na França, o que redundou na queda de Bastilha. Esse momento histórico é colocado... o absolutista é o cardeal, os mosqueteiros são os soldados da burguesia, que depois (a burguesia) toma o poder na queda da Bastilha, em 1789. Esses personagens têm uma função histórica e biográfica, que é específica do período. Tu não precisas ser essencialmente autobiográfico. Na lista dos 10 livros menos lidos do mundo, atualmente, dos não-ficção, a maioria dos que não são lidos são autobiografias. Por exemplo, a autobiografia do Bill Clinton é um dos livros mais comprados e menos lidos do mundo. E existem vários outros livros que têm essa mesma característica. Então as vezes a criação, quando se trata de autobiografia, eu sempre vejo com um pé atrás. Ela pode ser boa, ela pode ser interessante. Mas existem outras formas de contar a mesma situação.

Na tua opinião qual é o jornal brasileiro que sabe utilizar, hoje, a charge, a caricatura, a ilustração e até histórias em quadrinhos?
No Rio Grande do Sul, dentro dos jornais sindicais, é o jornal do Sinpro. Dentro dos jornais diários o Zero Hora, dentro dos jornais do Rio de Janeiro o Jornal do Brasil, e dos jornais de São Paulo a Folha de S.Paulo. O Jornal do Brasil teve uma experiência ótima com o Ziraldo, que ficou um ano e meio, dois anos; depois que ele terminou com o Pasquim 21. Fez um projeto maravilhoso, resgatou vários cartunistas da velha guarda, vários articulistas de humor do período do Pasquim. A Folha de S.Paulo teve uma lista muito boa de cartunistas, mas isso se reduziu. Mundialmente, tem o Le Monde na França. Na França existe uma grande valorização do cartoon no jornal diário. Em geral em cada página existe uma ilustração. Ela é necessária e superior a fotografia. Mas isso já é uma tradição muito antiga.

A Piauí, nova revista brasileira, sempre tem uma página inteira destinada aos quadrinhos. É uma iniciativa interessante?
Isso! Exatamente! E dentro dos que foram publicados o que mais me chama atenção nesse caso e que mais deve ser estudado é o Laerte, pelo trabalho que ele tem feito de literatura. Na verdade ele trabalha com mini-contos dentro do desenho. Ele trabalha situações filosóficas em 3, 4, 8, 10 quadros. E ele resolve problemas filosóficos. Vamos falar da teoria do conto rapidamente: Eu tô misturando literatura com desenho, porque o desenho é uma forma de narração.
Sendo uma forma de narração, ela não se dissocia de nenhuma outra forma narrativa, seja o cinema – porque as histórias em quadrinhos são um Story Board, na verdade existem produtoras norte-americanas de cinema que compram editoras de quadrinhos para produzir esse tipo de material, ou seja, eles testam roteiros primeiro em quadrinhos e depois eles tornam filmes – e a literatura e o desenho não são dissociados, porque ambos trabalham com imagens. A literatura trabalha com as “imagens” do texto e os quadrinhos com imagens puras, em si, aliadas ao texto. Dentro da teoria do conto tu tens o texto e o subtexto. O subtexto é aquilo que tu vais compreender sem necessariamente ter aquela informação explícita. Tu sabes que o mocinho não é tão bom assim no final por alguma coisa que tu pegaste e não sabe bem o que é. Aquilo é o sub-texto. E o Laerte domina muito bem isso. Ele domina aquilo que está por dentro. E ele faz isso em 3, em 2, em 1 quadro. Ou em 8, 10 ou 16. Acho que é o que a gente tem de maior expoente no momento.

Tu já expuseste em vários paises e agora está com esta exposição. Tu já pensaste em fazer algo itinerante? Quais são seus novos projetos?
Através de grupos eu já consegui expor em vários países. Mas essa pode se tornar uma exposição itinerante. Depende de convites. No momento eu tenho um projeto de montar algumas revistas e algumas publicações... explorar melhor a Internet, porque
a Internet é ainda uma grande dúvida econômica, ninguém sabe quando esse investimento que se chama “Internet” vai dar um retorno financeiro. Quando alguém vai se interessar em pagar 5 centavos que seja para ter acesso diário a um blog, ou um site. Então a Internet é um ótimo meio de difusão e um péssimo meio de retorno. Então eu pretendo continuar com essas experiências, mas esse é o grande questionamento dos jornais no mundo, porque a cada ano tem caído o número de leitores e o orçamento também tem caído. Ao mesmo tempo que aumenta o número de leitores pela Internet. Mas esses leitores não dão retorno financeiro. Esse problema tem que ser resolvido agora! Eu vou continuar produzindo pra Internet e vou tentar publicar livros e revistas. Tem um livro de contos e um livro infantil em conjunto que estou preparando para esse ano. O resto seja o que Deus quiser.

6 comentários:

Leandro Malósi Dóro disse...

Robes, ser entrevistado por ti logo após essa aula com o Tiba é demais pra mim. Obrigado, mesmo. espero o sucesso de todos nós. Estamos indo para algum lugar que desconhecemos, mas lutamos para que seja o melhor dos mundos.
Beijos

Anônimo disse...

Lúcido, não, lúdico

Anônimo disse...

Ô, Dóro, deixa de falar sério.

Anônimo disse...

Até parece que é gente.

Anônimo disse...

Aleeeco Robes!!!

Anônimo disse...

E aí, Comodoro, conta que tu nem sabe andar de bicicleta, conta.