Zé, fale comigo!
Por Luciele Copetti
Ele estava com os olhos fixos na televisão. Eram espaçadas às vezes em que seus cílios piscavam, seus dedos entrelaçavam-se uns aos outros, como se estivesse fazendo figa. Como se algo lhe preocupasse, mordia o lábio inferior. A mesma seqüência: os olhos, os cílios, os dedos, os lábios. A cabeça baixa, a mão descendo da boca ao queixo. Parecia estar tão distante, e estava. Enquanto diziam pelas ruas que tudo ia bem, enrolava calmamente seus pés no cobertor.
Enquanto isso: O Futebol Feminino do Brasil tem grandes craques, os casos da aviação brasileira são uma caixinha de surpresas, a jornalista da cidade pequena dá dicas para saber se você está sendo traída. O ex-ministro Furlan, vai até lá, visita parentes, e diz que não pretende voltar à política. Enquanto isso, no dia do descanso, chove 120 milímetros, e o Rio que corta a cidade fez das ruas a sua extensão.
Alguns, jogam futebol. Outros, lixo pela janela. Outros, ainda, jogam com as palavras, outros nem estas tem para jogar. Alguns vendem-se para outros países. Decepcionante! Além do mais, seu cão e seu gato, insistem em pensar que são gente. Salustiano, o gato, olha fixo para os olhos de Zé, resmunga algum miado, e olha para Dilma. Ela, não gosta dos seus pêlos cinzas e brancos que ficam espalhados pela casa. Irrita-se quando começam a trocar palavras e miados. Irrita-se ainda mais, quando seu time está perdendo, e Zé começa a conversa com Salustiano. Margarete, é tri gente boa e esperta pra cão! Leva as cartas para o Zé, senta no sofá, ajeita as patas em cima do envelope, e aguarda.
Como tudo quanto fosse natural. Ele fingia olhar para cima de vez em quando. Falava com estranhos, olhava ao seu redor quando entrava no elevador, fechava os olhos e caminhava, até esbarrar em alguém. Lembrava-se assim da sua infância e como as coisas tomaram outras dimensões. Como aqueles lugares imensos, aqueles morros altos, aquela árvore, aquela casa, agora eram tão pequenos. Salustiano não entendia nada de dimensões e espaços. Mas, escutava atento os pensamentos de Zé.
Não. A vida não é essa maravilha, criança. Mas, pule do mesmo jeito, e ache o seu aconchego em algum canto. Eram palavras, cheiros, gostos, sons, carícias e abraços, que vinham passear no horário do jogo. Ele queria falar sobre coisas simples, queria ir até o pátio da sua casa, sentar na grama e comer bergamota ao sol. Com um sorriso no rosto, seus olhos brilhavam. Lembrou-se da noite em que conheceu Dilma. Foram trocas. Primeiro de olhares. Semanas depois, foram às palavras, e a cada dia sorriam mais, trocavam bilhetes, mais olhares, beijos e mais beijos, e abraços apertados. Trocavam de lugar no sofá, de dias para a organização da casa, trocavam as meias, as coisas de lugar. Ele lembrava de cada instante, das coisas mais simples que ela gostava.
Eram dias de outono. Dias de sol. Quentes tardes que iam se findando com um vento agradável, gelado. Como ela gostava. As noites de outono costumavam serem belas. Seriam mais, se não sentisse um vazio enorme dentro do peito. Segurava com toda a força para não chegar aos olhos.
(...)
- Te carrego comigo, ele disse.
(...)
- Zé, fale comigo!
Salustiano resmungou, enquanto Dilma agarrou Margarete. Um miado, como de tristeza e reclamação, e o gato deitou-se ali, ao lado do corpo de Zé. O homem de Dilma, o torcedor do time rival, o amigo, o boêmio, o poeta, o amante, o marido, se foi.
Ainda sobre o amor... Ela enchia malas, guardava. Enchia caixas, empilhavas. Ouvia canções. Foi-se os papéis, as meias, os retratos, os escritos. Ficou Margarete, Dilma e Salustiano.
- Como se agarra o mundo com uma mordida, Salustiano?
5 comentários:
Excelente crônica Luciele! PArabéns!
Lindo!
Fabi Beltrami
Já tinha lido e te dito que ficou bom demais... Mas não custa reforçar!
Parabéns!
Rodrigo Timm Nessi Carnacini
Me parece que o amor, o medo e as incertezas andam juntos!
Abraços
Ótima crônica, escrito por uma excelente escritora.
;)
Andam sim.
Lu Copetti; mais um talento fabricado pelo minuano, que como o vento da província do Almodovar, enlouquece, aí as pessoas escrevem, e o resultado é essa beleza aí.
Porra do caralho, Luciele!
Abraço!
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