Hoje morreu o meu herói. Não sei nem como começar esse texto. A princípio o que me passa pela cabeça é que um jacaré não poderia morrer afogado, ou que seria uma ironia um gonzo jornalista que bebe e fuma morrer na água. Mas morreu.
Soube da notícia através de uma mensagem de celular. Estou há mais de 10 mil quilômetros de meu herói e não posso fazer nada.
Sobre o Jacaré, ou o João Carlos, tenho muitas lembranças, como dá pra conferir no blog Santa Saliência. Na época a entrevista rendeu muitos risos e muitas histórias. Até hoje me lembro dele contando causos e tossindo entre uma tragada no charuto e uma piadas. Tudo que eu aprendi até hoje foi ao lado do meu mestre: aprendi a escrever jornalisticamente, compreendi a diagramação (morria de ódio quando ele vinha com a régua medir minhas tentativas), sobretudo aprendi a editar os textos jornalísticos. Jacaré me ensinou a ser gente, a pensar de forma singular.
Tenho algumas lembranças que jamais esquecerei:
a) Todos os dias ele se sentava no banco da frente da FAC e lia seu jornal Zero Hora. Ficava estarrecido com as grandes tragédias. Cada um que chegava, ele chamava e comentava um assunto. No final sempre arrematava: “Isso é loucura total!”;
b) Quando eu trabalhava na agência, tínhamos uma banda imaginária, eu, Angélica Sattler e Karina Koppe. Tiba era nosso “empresário”;
c) Tem a história do tamanco que Jacaré contava. Ainda morando em Porto Alegre ele saiu bravo com uma das mulheres que teve (que lhe deu uma tamancada). Saiu puto, cruzou com um cara na rua e não sei como começaram a discutir. Tiba empurrou o cara para cima de uma carrocinha de cachorro-quente. Quando me contou o fato, disse haver “pão para um lado, molho pra outro”. E no outro dia teve que pagar tudo;
d) Um dia apareceu um gatinho na FAC. Era filhote. Eu e o Tiba escondemos o gato na Agência de Jornalismo para ele “morar lá” até acharmos um dono. O Tiba comprava pastel e dava pro gatinho todos os dias. Até chegar a Gabriela Cunha para adotar o gato;
e) Tiba, assim como eu, era louco por bichos: tinha uma garça (que sumiu e o deixou numa tristeza profunda). A Blue, como ele chamava, era praticamente uma pessoa. Tiba dizia: “Blue, vem com o vô” e lá ia Blue se encontrar com Tiba. Só faltava a ave falar. Na primeira vez que em fui em sua casa tinha pés de milho plantados na frente de casa. Agora há hortas, árvores, enfim. Sua companheira Lurdes tem um capricho que adornou aquele lugar. Tiba e Lurdes passavam seus dias com Buk (o cachorro Bukowski), Bob Dylan (o cachorro tarado) e a Pink (uma linguicinha que tinha a sua irmã Floyd, mas esta morreu). Tiba levava seus “netos” pra lá e pra cá.
f) Seu fusca e sua Kombi. Jacaré amava a Kombi. Saia às ruas bem devagar com o som a mil na Planalto. Disse que olhava pro lado e só lia os lábios dos motoristas nos carros ao lado mandando-o tomar naquele lugar.
g) Jacaré e suas genialidades nos livros Crônicas Faquianas, Pra Ler, no Guia de Labirinto, na Vara, no O Jornal, no Pasquim do Sul e em tantos outros lugares que escreveu.
Tiba foi o maior contador de histórias que já conheci. Uma vez me disse que se quiséssemos ser escritores, ou jornalistas, deveríamos escrever todos os dias. Às vezes penso que não estou mais cumprindo a lição de casa. Hoje gostaria de escrever palavras bonitas ao meu mestre, tão poéticas quanto os textos que ele escrevia naquele computador em sua sala (Tudo que ele precisava estava no desktop do computador. E em um só arquivo ele escrevia todos os textos). Mas hoje não consigo ser poética. Minha taquicardia ainda não passou e não quero acreditar que meu herói se foi.
Neste último mês lancei aqui no Amapá, ao lado de minha colega Cláudia Assis, o livro Caldo Fino, um “filhote” como escreveu Tiburski, do Crônicas Faquianas. Tiba fez a abertura do livro. Há menos de um mês lhe enviei exemplares de meus trabalhos com uma dedicatória mais ou menos assim: “Ao homem que me ensinou boa parte do que eu sei”. Sem dúvida nenhuma foi o meu mestre no jornalismo, na literatura, na curtição da vida e na amizade.
Heróis se perdem todos os dias. Mas nunca me disseram como dói perder um grande amigo. A ferida sangra em um rombo no peito.
Vá em paz, meu mestre, meu amigo. Continuaremos espalhando seus conhecimentos “de encontros e desencontros paradidáticos”.